quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

2020: o ano do umbigo

 

   Newborn stars - NASA/JPL - Caltech/ P.S. Teixeira (Center for Astrophisics) 25/12/2020  



Foi longo o tempo sem estar aqui. Hoje senti vontade de ter esta conversa solta, sem gênero literário e acreditando que do outro lado alguém me escuta. Só para fazer retrospectiva e aliviar as horas do fim de um ano que pareceu interminável.

Parecia auspicioso nos encontros de janeiro. Fevereiro trouxe o alerta. Março fechou para balanço. Entendi desde o princípio como uma guerra. Uma guerra biológica que geraria crises sem precedentes. Sanitária, econômica, política e de valores

Tempo. Quem conhece um pouco de ciência ou, pelo menos, um pouquinho da história da ciência sabe que seus métodos fazem uso da observação, dos experimentos, de frustrações e êxitos. Não é mágica. Cientistas não são deuses. Por isso a ciência precisa de tempo. 

Preparei-me para uma longa travessia. Simples reclusão? Covardia? Não. 

Apoio à ciência. Os soldados desta guerra. Se não sou uma delas/deles, precisava ser um agente a menos na disseminação. O inimigo é invisível e precisa de corpos para viver. Às vezes não dá sinais. Tem suas estratégias. No combate, existem corpos que precisam se expor. Trabalhadores da saúde, produtores de alimentos e outros serviços essenciais, e aqueles que ganham pela produção diária na rua. Compreendo. Minha reclusão é uma forma de agradecê-los. Respeito o coletivo e submeto a ele o meu ego. Somos seres sociais. Ao longo da história, só como sociedade garantimos a sobrevivência da espécie.

A reclusão não me incomoda. Gosto de estar comigo. De descobrir onde escondo meus medos. De pedir socorro quando preciso. De aprender com a experiência dos outros... e foram tantos que nos doaram relatos, papos, terapias, música, poesia, política.

Sim, política! E foram tantas as belas campanhas em uma tentativa de mudar suas aldeias. Afinal é lá que tudo começa, né? E foram tantas as decepções... no entanto, foi interessante observar que os candidatos com apoio declarado (óbvio) do Genocida foram rejeitados em sua maioria. É um alento?

Bom seria, se não observássemos os detalhes. Quem foi o grande vencedor? O camuflado. Aqueles que não usaram a imagem do GENOCIDA, mas o apoiam ou recebem dele o apoio “por baixo dos panos”.

É triste observar a miopia daqueles que não fazem a conexão entre as coisas pequenas, que acontecem do seu lado, e as grandes.

Pois é... mas a vida não parou. Encontramos no caos algumas rotas, fortalecemos vínculos com o que nos impulsiona. Produzi. Participei de eventos importantes à distância, dos quais teria chances reduzidas de acesso sem essa condição. Poderia até me considerar vitoriosa neste dia, afinal estou viva entre quase 200 mil mortos, e outros tantos que ainda lutam nos hospitais ou em suas casas ou, ainda, outros tantos que tentam adormecer os seus lutos. Todavia isso não é uma competição. Em uma guerra não existe vencedores. Há sobreviventes. Quase sempre marcados por sequelas.

Isso tudo é só pra dizer, em letras miúdas, onde se esconde o grande mal. O mal que faz uma pessoa oferecer seu corpo para manutenção de um vírus porque está cansada e tem direito a uma festinha (em que serviçais famintos se expõem por um trocado) é o mesmo que o leva ao voto pra se dar bem momentaneamente. O mal que há séculos sustenta uma sociedade colonial, escravocrata e desigual. 

Esse é o gerador de todas as crises: o umbigo.

O umbigo nos alimenta em um curto período, quando estamos presos a um útero e não temos condições de andar com as próprias pernas. Só recebe. Nove meses em uma vida que pode durar 960 meses. Durante os quais a cicatriz está lá bem no centro do corpo, impondo-se.

Aqui fora, meu bem, estamos conectados a uma teia universal. Retroalimentada. O que você faz me afeta. O que eu faço te afeta. A guerra está só começando. Se não aprendermos isso, não terá data para acabar. 


domingo, 28 de julho de 2019

Ausência







Sinto falta de estar aqui como eu queria.

Sinto muito.
Está difícil viver. Está difícil respirar.
As palavras não me abandonam e nelas jogo a minha âncora.
Tenho estado em outras frentes.
Prenhe de arco-íris.
Gratidão imensa aos caminhos que se abrem apesar do nevoeiro, dos raios, da tempestade.

Se sentirem a ausência, me encontrem na Revestrés, blog Do Caminho:
Revestrés/Do Caminho

ou na plataforma literária LiberoAmérica


quinta-feira, 11 de abril de 2019

Dois modos de ouvir os oitenta e uns



Então irromperia um novo paradigma, vale dizer, uma nova 
consciência e de acordo com ela um novo modo de produção 
e de consumo que buscaria um acordo com as possibilidades
reais da Terra e as demandas sensatas e justas de toda 
a comunidade de vida, especialmente, dos seres humanos.

(Leonardo Boff, em entrevista ao portal Ideia Sustentável)


Chuva e flores no planalto central



Há alguns dias uma amiga me convidou para ver uma palestra de Leonardo Boff. Larguei tudo. Troquei de roupa rapidamente e fiquei de tocaia no portão como criança à espera de um brinquedo novo. Quando que, nesse tempo dominado pela falsidade e a surdez, eu teria nova chance de ouvir um intelectual desse porte assim de perto?

O auditório estava lotado, mas chegamos a tempo de encontrar um lugar para sentar. Dezenas de pessoas se espremiam pelas laterais. Gente de todas as idades. Mas o que me deixou mais feliz do que ficar acomodada em uma cadeira foi observar a presença animada dos jovens. Aplausos. Muitas palmas e um respeitável senhor de oitenta e um anos, com algumas mazelas pelo corpo, se pôs de pé no meio do palco. Trouxeram-lhe uma cadeira que ele recusou, prontamente, dizendo preferir sentir circular a energia.

sábado, 2 de março de 2019

Sobre carnaval, ilhas e sinos



Nenhum homem é uma ilha, um ser inteiro em si mesmo;
todo homem é uma partícula do continente (...)
Também a morte de um único homem me diminui, 
porque eu pertenço à humanidade. 
Portanto, nunca procures saber por quem os sinos dobram.
Eles dobram por ti.

(John Donne, trecho de Meditação XVII)
(trad. Luis Peazê - como parte de Por quem os sinos dobram de E. Hemingway)

a nuvem, por Sergia A.


Ando escrevendo pouco por aqui. Desmotivada pelo turbilhão de acontecimentos que nos deixam perplexas e apáticas. Ao comentar a bestialidade dos nossos dias, uma amiga me disse hoje que sentia-se como se estivesse mergulhada em um pesadelo, daqueles que não conseguimos acordar. A mesma sensação que se apoderou de mim ao ver o aparato de guerra que cercou a saída do presidente Lula para participar do velório do neto e os comentários dos haters que estão no poder. É isso, pensei me enchendo de esperança de que por mais aterrorizante que seja uma hora ele vai acabar. Afinal essa é a dinâmica natural de um pesadelo. 

Muitas outras imagens nos vem à mente em horas como essa, em meio a angústia que a morte de uma criança nos causa. Dormi abraçada com a minha neta de sete anos, agradecendo aos céus pela sua saúde e por ela estar comigo naquela noite, ou por eu estar em condições de abraçá-la. Mas uma imagem se impôs: a de um padre irlandês que foi meu professor no ensino fundamental. Um dia ele entrou na sala e escreveu no quadro a frase de John Donne que hoje me guia, e nos pediu que falássemos a respeito. O que viesse à cabeça diante da afirmação de que Nenhum homem é uma ilha. Só muito depois eu viria a conhecer o texto completo, e o livro de E. Hemingway. A essas alturas não lembro com detalhes, mas sei que na proposta de discussão estava o desejo de nos induzir o pensamento sobre a condição humana, ou o nosso pertencimento àquilo que chamamos humanidade.