segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Quando o dia pede rosas


Porque ele vem até mim,  Sergia A.


Porque um dia nos conhecemos, e havia nuvens carregadas no céu. Porque um dia nos demos as mãos em praça pública e enfrentamos os raios. Porque um dia tivemos o mesmo sonho. Porque saímos a arar campos diversos quando o céu estava azul. Porque na colheita descobrimos que não importava como balançavam os galhos se as raízes se alimentassem da mesma seiva.

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Reverso



Céu de Pipa,   por Sergia A.


Solto ao vento
Em sussurros, meu segredo
Vazado, em tempo.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Para Linha Reta, a Leveza das Curvas



A Beautiful Mind (2001), by Ron Howard
Fonte: YouTube
Do fundo da inconsciência
Da alma sobriamente louca
Tirei poesia e ciência,
      E não pouca
Maravilha do inconsciente!
Em sonho, sonhos criei.
E o mundo atônito sente
Como é belo o que lhe dei.
[1]


Além das lendas, vagavam pelas ruas adormecidas do lugar onde eu nasci figuras quixotescas que enchiam minha infância de temores. Prenhes de histórias nos envolviam nos férteis labirintos de suas mentes desconectadas daquilo que chamamos realidade. Deve vir daí a minha necessidade de sentir o pulsar do chão depois de acompanhar vôos insólitos. Ou talvez, a compreensão de que uma vida de lucidez comporta momentos de fuga, necessários para que não haja inversão da ordem.

Estridente, o telefone toca no meio da noite. Entre soluços ela me diz que arruinou a vida das pessoas que amava e por isso está sendo perseguida. Existe uma investigação sobre seus crimes. Escuto silenciosa a sofreguidão da sua voz. Há uma pausa. Tento dizer alguma coisa que estimule a continuidade do relato. Peço que respire devagar, e repita algumas palavras. Ela me interrompe ao ouvir batidas na porta. Diz que são os vizinhos prontos para denunciá-la por violação da moral e dos bons costumes. Digo que não ouço as batidas da porta. Ela insiste que estão cada vez mais fortes. Ouve sirenes. Não consigo ouvir o som ao fundo da nossa conversa. Convenço-lhe a não abrir a porta. Esforço-me para manter na voz o tom de serenidade que tende a se ausentar. Faço perguntas. Falamos de outros tempos. Deixo-me envolver na ameaça dos seus moinhos de vento. A voz agora é sonolenta. A química a traz de volta à solidão dos seus lençóis. Desligo.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Melodia que Nunca Silencia


A Literatura e o Cinema caminham lado a lado. Mesmo nos filmes mais comerciais e de enredos repetitivos, esse encontro é ponto de diálogo que enriquece a narrativa fílmica e deixa pistas para a construção de sentidos. Assim é que Autumn in New York (2000), dirigido por Joan Chen, pode ser visto como uma tradução de dois poemas de Emily Dickinson (1830-1886):  "Two butterflies went out at noon" e  "Hope is the thing with feathers"



Fonte: YouTube

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Navegante



Janela para o mar,  por Sergia A.


À deriva, o barco
Do mar se descobre cúmplice
Vento, vela e mastro.

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Da Série O Laboratório: Nada é para Sempre


Já se foi o quinto mês do primeiro ano da segunda parte...

 

Recortes da Memória,   por Sergia A.


Uma data simbólica. Passada a ressaca do Réveillon, é hora de desmontar a árvore de natal e retomar a vida que se entrega a um novo ciclo. Laços dourados desfeitos, fios do pisca-pisca de volta à embalagem, peças de decoração acumuladas durantes anos, reformadas aqui e ali, retomam seu lugar no canto mais alto do armário. Uma angústia repentina tenta sufocar o peito ao pensar o significado desse ritual cíclico. Talvez por isso, para escrever este texto eu tenha me apropriado do título da tradução brasileira do filme A River Runs Through It (1992), que apesar de não ter nenhuma relação com o título original e não fazer justiça com a premiada imagem poética que Robert Redford criou para seu personagem principal (o rio), me ajudou a despertar para essa realidade difícil de ser absorvida quando vivemos a ilusão de ter a posse sobre coisas ou pessoas.

Mas não é o filme que hoje afasta minhas palavras do trilho, embora, a narrativa que ora me toca também seja uma lembrança antiga. De quando, por pura curiosidade, visitava Dostoiévski nas estantes empoeiradas, ainda sem noção da grandiosidade de sua obra. Apenas lia e guardava na memória a estranheza. Desmontar a árvore me fez lembrar um dos contos do primeiro volume das Obras Completas: Uma Árvore de Natal e um Casamento[1], escrito em 1848. Exatamente o trecho em que as crianças, sob o olhar indiferente dos adultos, “despojavam a árvore de natal de todos os seus enfeites” em busca dos presentes que nem sabiam serem seus.