domingo, 31 de março de 2013

O coelho, a chuva e o milagre do tempo


O Dito dizia que o certo era a gente estar sempre brabo de alegre,
alegre por dentro, mesmo com tudo de ruim que acontecesse,
alegre nas profundas. Podia? Alegre era a gente viver devagarinho,
miudinho, não se importando demais com coisa nenhuma.
 
(Guimarães Rosa, in Campo Geral)
 
 
 
Coisas miúdas, por  Sergia A.

 
Desconfio sempre das receitas de felicidade, esse termo abstrato que só se concretiza em momentos únicos, às vezes imperceptíveis de tão pequenos e, portanto, não reaplicáveis. Mas desde que a sua procura passou a ser objetivo de vida das novas gerações, tornou-se alvo das campanhas publicitárias que o vendem em qualquer esquina nas mais diversas embalagens. Então, eis que me chega um link de um concurso promovido por uma rede de supermercados. O desafio era apresentar uma receita de momento feliz, com apenas 500 caracteres, tendo a Páscoa como tema. 
 

domingo, 24 de março de 2013

Mosaico urbano

 
Janela invertida, por  Sergia A.



Inerte a urbe emerge
Da luz que o tempo devora
E o olhar subverte

quinta-feira, 14 de março de 2013

Habemus poesis


fazer poemas é fácil
como amordaçar um lobo.

 (Postulado in tá pronto, seu lobo? - Paulo Machado)
 
 
Recanto,  por Sergia  A.


Enquanto o mundo aguardava uma fumaça branca, eu estava aqui querendo falar de flores. Pois é, foi assim fugindo das intermináveis análises políticas da sucessão no Vaticano que me dei de presente 140 minutos para ver o filme Shi (2010) dirigido pelo coreano Lee Chang-Dong. Fui fisgada logo nas primeiras cenas pelo estranhamento de uma abertura com apenas o ruído diegético: água corrente em close, águas turvas, e em seguida um plano que se amplia acompanhando a grandiosidade de um rio, uma ponte e a normalidade da vida, para novamente se fechar sobre um corpo levado pela correnteza. Ao corpo se sobrepõe o letreiro do sugestivo título (Poesia, na tradução brasileira).

A narrativa segue com trilha musical composta de um completo silêncio. Como no cotidiano fora das telas, a música entra somente se um personagem ligar um aparelho de som ou cantar em cena. Providencial para quem quer dar forma ao inefável como meio de discutir a criação poética. A procura das palavras é o caminho trilhado pela personagem principal (Mija), seja para resgatá-las da escuridão que a ameaça (mal de Alzheimer) ou para dar voz ao gosto por flores e falar coisas esquisitas como ela define sua ingênua veia poética ou, ainda, para despertar um gesto humano que se opõe ao horror. Sim, o horror é ali duplamente representado: de um lado um grupo de adolescentes (do qual faz parte o neto da protagonista) acusado de estuprar uma colega de escola levando-a ao suicídio, e de outro a atitude dos pais desses adolescentes que diante do fato não demonstram indignação estando mais preocupados em proteger seus filhos.

 
Fonte: YouTube

segunda-feira, 11 de março de 2013

O filme publicitário e uma pulga


A culpa não morre nunca, Fonte YouTube


Dizem por aí que o ano brasileiro só começa depois do carnaval. Boa parte dessa lenda se deve às férias escolares que engolem o primeiro mês do ano e colocam familias inteiras na estrada, e o restante ao mito do nosso serviço público. O estranho é que dediquei muitos anos ao trabalho em um banco estatal, e todos eles começaram rigorosamente no dia dois de janeiro. Se quisesse pular ondas e invocar os deuses por um bom ano tinha que me arriscar enfrentando congestionamentos para voltar a tempo depois de um dia e meio de feriado. A não ser que o trinta e um de dezembro caísse em uma quinta ou sexta: a glória! Ainda assim não escapava do perigo que rondava as estradas, pois estávamos todos na mesma agonia.  

Por falar em estrada e em carnaval, esse sempre esteve fortemente associado às nossas deprimentes estatísticas de acidentes. Talvez por isso o governo brasileiro começa o ano comemorando a redução desses números atestada pelos dados sobre o carnaval 2013. E viva a Lei Seca! Gritam em coro a mídia e a sociedade brasileira. Não discordo, muito pelo contrário. Aliás, quem ousaria discordar? Quem não deseja punição severa para os comportamentos de risco ao volante? No entanto, uma pulguinha impertinente se alojou na minha orelha há algumas semanas quando vi a campanha (que não se restringiu ao filme) e em seguida a notícia do seu honroso alcance.

sexta-feira, 8 de março de 2013

Cartas II


Que nada nos limite
Que nada nos defina
Que nada nos sujeite
Que a liberdade  seja a nossa própria substância...


(Simone de Beauvoir in Liberdade) 
 
Feminino, por Sergia A
 

Já tive oportunidade de falar aqui sobre o fascínio que as cartas exercem sobre mim. E retorno a esse assunto por lembrar que há alguns anos ganhei de uma amiga um edição de bolso do livro Cartas a um jovem poeta (Briefe an einem jungen Dichter, no título original), de Rainer Maria Rilke (1875-1926). Uma reunião de cartas do poeta nascido em Praga (quando essa pertencia ao império Austro-Húngaro) enviadas ao então jovem poeta Franz Xaver Kappus, no período de 1903 a 1908.

sexta-feira, 1 de março de 2013