sábado, 25 de janeiro de 2014

Do risco de submergir


a água
          surgiu tardia no universo
          quando o furor
          inicial
          da matéria se aplacou
          e deu vez
a coisas mais sutis
que apareceram
            como os tecidos vivos
                     as lentes de nossos olhos
                     os sonhos e os pensamentos
            que em última instância 
            da água nasceram

(Ferreira Gullar in A Água, Em alguma parte alguma p.85)

Caminho azul, por Sergia A.


Desejo. Vejo-o de cima antes do salto. O azul me envolve. Sinto uma vontade infantil de me benzer para quebrar o gelo e mandar embora a dor. Rio de mim mesma na solidão da minha raia. Sou fisgada pelo azul. Dou ao ar a liberdade de penetrar os meus pulmões. Mergulho. Entregue à sua fluidez deixo-me abraçar sem restrições. Gravidade controlada pelo volume que desloco vencendo sua resistência natural. O azul ocupa cada milímetro do meu corpo flutuante. Concentração e movimento. Eu comigo na travessia do mundo.

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Uma cruz no coração da América



Aqui sentimos de maneira inequívoca a presença do tempo,
tão rara nestas latitudes. (...) Não se exigem datas nem nomes próprios; 
basta o que sentimos de imediato, como se fosse uma música. 

(Jorge Luis Borges, colônia do sacramento in Atlas, p.123 trad. Heloisa Jahn)





Tunel do tempo
 
 
Ao longe, uma mancha azul recortando o horizonte. Do alto, picos matizados de neve. De perto, um certo assombro. Os Andes me fascinam. Desde sempre, inexplicavelmente. Talvez não seja um sentimento comum aos nascidos na América de língua portuguesa. A cordilheira não nos impõe sua presença. No entanto, nos mapas que de cedo aprendemos a rabiscar, em documentários e livros que nos habituamos a ver, nos relatos que ouvimos dos viajantes, ela está lá exigindo reverência. Dá forma ao continente e silenciosamente nos afeta. Visitei-a apenas duas vezes. Dormi em um dos seus vales meridionais. Vigiada por altas muralhas rochosas, vulcões adormecidos e espelhos de águas mansas. Uma oportunidade de me entregar aos mistérios da natureza.

Mistérios. Talvez venha daí o meu fascínio. Os mistérios que ela esconde. Talvez venha daí o aperto que invade meu peito ao ver Beyond El Dorado – power and gold in ancient Colombia, em visita ao British Museum (Londres, Nov/2013). Uma bem concebida exposição de artefatos em ouro, pedras preciosas, cerâmica, couro e tecido produzidos por povos que habitaram a Colômbia antes da chegada dos conquistadores espanhóis. Belas e tecnicamente complexas as peças pertencem ao Museo del Oro de Bogotá, e boa parte são achados arqueológicos retirados de sítios localizados nos vales formados pelas três ramificações da cordilheira na região (que infelizmente não fez parte das minhas andanças).

domingo, 12 de janeiro de 2014

Janela para o Oeste


Concreto, por  Sergia A.


Enlouquecida, a cidade se estica no vidro da janela que já não alcança o fim do dia.