terça-feira, 30 de dezembro de 2014

O ano vai morrer aberto em mim


Sou um sujeito cheio de recantos.
Os desvãos me constam.
Tem hora leio avencas.
Tem hora, Proust.
Ouço aves e beethovens.
Gosto de Bola-Sete e Charles Chaplin.

O dia vai morrer aberto em mim.

(Manoel de Barros in Livro sobre nada p.31)


janela para julho, por Sergia A.


Foi um bom ano. Palavras que se apresentaram nas redes sociais nos últimos dias. Com algumas alternâncias de adjetivos, nunca contraditórios. Então me peguei pensando sobre os dias que 2014 levou, sem os traços impositivos das mídias que nos guiam. Para não ceder ao meu jeito otimista de ser, precisei listar de um lado os que acordaram tortos e um tanto acinzentados, e de outro os que me pareceram retos, imponentes e positivos. Racionalmente separados. Um balanço. Examinei-o. Que coisa sem poesia! Sacudi, virei tudo de cabeça para baixo só para desregular.

terça-feira, 23 de dezembro de 2014

A paisagem e o alento



Uma pequena ponte, uma lâmpada, um punho,
uma carta que segue, um bom dia que chega,
hoje, amanhã, ainda, a vida continua,
no silêncio, nas ruas, nos quartos, dia a dia,
nas mãos que se dão, nos punhos torturados,
nas frontes que persistem,
nós somos,
existimos.


António Ramos Rosa, in Nós somos (Sobre o Rosto da Terra, 1961)


A água, por Sergia A.



A água espirra sobre o meu rosto. Desperta-me. Crianças em correria em um parque aquático. É dezembro. É verão. Aproxima-se a data maior para aqueles que se dizem cristãos. Os sotaques. As aparências diversas. Observo-os com atenção. Uma camiseta de identificação os distingue. Minha pequena companhia se anima com a alegria que deles emana. Tenta uma aproximação. Diverte-se. Divertem-se. Ali, unidos pela água como se fossem irmãos. Converso por alguns segundos com o jovem monitor que os acompanha. Despedem-se. Há muito o que percorrer até o fim do dia. Deixam comigo um alento à minha teimosa esperança.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

A substância do pensamento



Essas duas formas de pensar, uma do tempo e da
história, outra atemporal e eterna, são partes do esforço
do homem de compreender o mundo em que vive.

(J. Robert Oppenheimer in Science and the Common Understanding
citado por Marcelo Gleiser in A Ilha do Conhecimento p.285)


O arco e a torre, por Sergia A.


Fui ao seu encontro. Ela me chama sempre que preciso. Lê minha alma. E antes que uma palavra se articule, ela me olha nos olhos e diz: ninguém disse que seria assim de mão beijada, como se dizia no lugar onde nasci. Nada cai do céu. E a chuva que escorre no meu telhado? Provoco. Antes dela, formam-se nuvens que não suportam o próprio peso, responde com suavidade e convicção. Adoro ouvi-la. Mistérios de um pensamento que se forjou na labuta de anos. Invejo a sua serenidade.