domingo, 26 de junho de 2016

Da dança e do amor infinito




Toda bailarina pela vida vai levar

Sua doce sina de dançar, dançar, dançar...

[Toquinho, in A bailarina]




Camarim, por Sergia A. e "O exame de Ballet" [pastel de Degas, in Denver Art Museum]


Ela tinha quatro anos. Na entrada lateral do Teatro a entrego aos cuidados da coordenação. Ela se recusou a subir no palco, disseram-me na saída. Enxuguei suas lágrimas e a abracei longamente para dizer que estava tudo bem. Era grande o peso do palco. Naquele instante nada me dizia que ele se tornaria leve nos anos que se seguiram. Tão leve quanto os saltos. Leve como o movimento ritmado. Leve como as asas do tempo.

Ela tem quatro anos. Fico encarregada de levá-la ao camarim. Não devo permanecer no recinto. Santuário de transformação em dois tempos. Cabelos em coque. Mãos habilidosas retocam adereços. Viro-me em despedida e me assusta a sensação de dejà vu. O mesmo tipo de rosto em um novo porte. Sem lentes ajustáveis fotografo a elegância natural que se manifesta, tendo a ousadia de me imaginar diante de uma modelo de Degas. 

Com os cachos se escondeu a timidez. A maquiagem suave traz brilho e cor. O palco é mistério que não assusta. É desejo. É alegria. É fortaleza. É colo de mãe na coxia entre uma coreografia e outra. Da plateia, passeando entre tempos, acompanho os bracinhos no ar, os saltitos, a preocupação de ser espelho da bailarina que a guia. Entrega-se ao cenário e à musica. Mãozinha na testa para apurar o olhar que segue um balão que no céu vai sumindo. 

O vermelho das cortinas ligeiras me diz que o instante passou. Este e o outro. Abraço-as. Percebo o pequeno corpo febril. Os poros extravasando sensibilidade. Deito-a no banco de trás. Ela quer dormir. Talvez, sonhar. Fico desperta. Espreito-o e o vejo escorrer velozmente para dentro da noite.

2 comentários:

  1. Belo texto (a mãe da bailarina aqui se identificou).
    Abç,
    Helê

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    1. Obrigada pela leitura e pelo comentário, Helê! Um abraço.

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