quinta-feira, 8 de setembro de 2016

Sobre a aridez e as sementes


repórter: - você está bem? qual é o seu nome?
o estudante: - André (responde e permanece estendido no chão, sob a mira de um policial)
repórter: - quantos anos você tem?
o estudante: - dezessete... dezessete anos.
o policial: - tu devias era está procurando Pokémon, não?

[cena da repressão policial a manifestantes, reproduzida 
de um vídeo de uma agência de notícias independente]


o que você diz tem ressonância,
o que silencia tem um eco
de um jeito ou de outro político.

{Wislawa Szymmborska, in Filhos da época - [poemas] p.77 - trad. Regina Przybycien}




a aridez o azul, por Sergia A.


É sete de setembro no planalto. Muralhas humanas entardecidas dividem o que dizem ser o bem e o mal. o tempo segue levando no vento a aridez e as sementes... independentes. Isso me veio enquanto examinava o céu azul de Brasília, sentada em um tapete sobre a grama ouvindo a algazarra de crianças e pássaros ao redor. Na esplanada uma esquadrilha fazia acrobacias para saudar a independência, abafando o grito dos apartados da grande festa. O grito dos adultos que temem a perda de conquistas. O grito dos jovens que temem o futuro.

Em outras ruas os dias que antecederam a cena protagonizaram horrores. Meninos permaneceram, por longas horas, incomunicáveis, nas mãos de experientes investigadores, por suspeita de que poderiam vir a cometer um crime.  Em um tumulto de dispersão, um homem posiciona-se e abre os braços. Estende-os diante de uma força desnecessária. Achou que seu sinal seria decifrado. Ferido, ouve de quem lhe deveria prestar socorro uma sentença: há os que merecem a violência. 

Em esquinas e becos enfurecidos uma menina perde a visão. Um professor, um comandante, um jornalista não se envergonham de afirmar publicamente que a menina colheu o que plantou. Como se a brutalidade que gerou a sua perda fosse natural. Assim ressoam, minimizadas ou justificadas pela sociedade e mídia, as feridas abertas da nossa história, da nossa latente vocação para a exclusão. 

Certamente os corpos do homem e da menina, bem como a alma dos meninos aprisionados, estariam intactos se se quedassem emudecidos. Queremos o homem produzindo à exaustão na esperança das migalhas que do trabalho retornarão em consumo, fazendo-o sentir-se vigoroso. Queremos os meninos decorando antigas fórmulas que já não se afinam com o tempo de procurar Pokémon. O que disseram, assim como o que silenciaram, fica ecoando em mim quando contemplo o azul. O alívio me chega em palavras. Elas desejam me convencer de que o que resta de humano em nós tende a prevalecer sobre a secura dos dias. Espalha-se levado pelo vento ou no bico dos pássaros. Rebenta em solo fértil quando a chuva cair. 

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