Aproveita hoje, seu coração em festa
Amanhã
vai que a vida desembesta.
[André Gonçalves, Bandeirolas - Pequeno Guia das Mínimas Certezas]
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sob o sol, por Sergia A. |
Comecei a escrever este texto no dia em que o principio da Liberdade, estabelecido na Constituição de 1988, perdeu um grau na escala garantida pela Lei. A minha intenção era discorrer sobre o tema. Escrever como um exercício que me permitisse entender por que esse, que foi um bem tão precioso naquela década, agora se torna algo negociável e que pode se colocar abaixo de outros bens como a propriedade, como a moral messiânica de grupos, ou, simplesmente, como algo banal que perdeu o significado.
Fui atropelada pelos acontecimentos que se seguiram à madrugada que dividiu os dias 04 e 05 de abril. Achei por bem esperar a poeira assentar para que o pensamento me saísse organizado e sem precipitação. Pois bem, estou aqui na madrugada que absorve a desobediência civil do ex-presidente, como dizem muitos, e o meu sono não vem. Fico imaginando os que estão lá, neste momento. Milhares de brasileiros vigiando um sono ainda liberto, se é que esse também não deu as mãos ao meu e saíram por aí a passear.
Não discuto o tal processo, nem os procedimentos jurídicos e midiáticos e muito menos o caminho escolhido pelo ex-presidente. Também não discuto, neste instante, os erros da esquerda no poder (já fiz isso em outras ocasiões). Primeiro por não ser jurista, e segundo porque isso é o que menos importa neste instante. A questão principal está no que o vento vem soprando nos últimos anos, moldando ondas lentamente, ora frágeis ora impetuosas. Desde as manifestações inexplicadas de 2013, passando pela instabilidade econômica e política de 2014 e 2015 insufladas por uma operação anti-corrupção seletiva e com objetivo, hoje, muito claro. Até o afastamento de uma presidenta, que não cometeu crime durante o mandato, e implantação de uma agenda neoliberal, financista e completamente voltada aos interesses do mercado. Ou seja, a questão principal parece ser a necessidade de decifrar do caos, uma pista sobre o que o futuro nos reserva.