terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Sobre desertos e calendários




No fundo do coração humano, entretanto, algo surdo e obstinado resiste;
algo indomado protesta a nos dizer que há alguma coisa indefinível
pela qual existimos e aspiramos, algo por que vale a pena viver e sofrer.
(Eduardo Giannetti, in Felicidade p. 184)
 
 
Além dos corais, por Sergia A.
 
 
Avanço sobre as ruas desertas da minha cidade. Sobre o vazio que as pessoas em partida deixam para trás no último dia do ano. A nudez das avenidas me provoca insistentemente. Perco (ou ganho) algumas horas inspirando ausências. Acelero em direção a lugar nenhum. Guiada apenas pelo desejo de me deixar contaminar por essa ilusão do nada. Ou, quase nada. Do que repousa no limiar, entre o que se finda e o que ainda se anuncia. 

No retorno, recebo um calendário do novo ano que se aproxima. O remetente é a empresa para a qual trabalhei por muitos anos. Olho-o fixamente, talvez para me certificar de que os anos de treino ainda me fazem acreditar que o tempo pode ser acomodado em pequenos compartimentos. Latente, a provocação das ruas ainda queima a mão que o examina. E se não houvesse calendários e nem a crença coletiva de que a partir de determinado instante tudo se renova? Como nossas mentes lidariam com a sequência ininterrupta de noites e dias? Sem se dar conta do mau humor das manhãs de segunda e nem do encanto das noites de sexta? Sem se dar conta da avidez de dezembro por pontos finais e da queda de janeiro por maiúsculas iniciais? 
 
Decido por a mala no carro e seguir o fluxo. Esquecer que o calendário é apenas uma peça da indústria que movimenta o mundo que se diz racional. Aceitá-lo como ciclo necessário para alimentar nossa capacidade de revitalização. Abandonar o asfalto para sentir sob meus pés a areia energizada pelo vai e vem das ondas. Segurar com firmeza a mão que a mim se estende, dirigindo o olhar para os mistérios do infinito. Alcançar uma estrela cujo brilho se derrama para os que se animam a procurá-la. Despertar aquilo que, como disse o poeta, cochila dentro de mim. Aquilo que as palavras não definem, mas se faz presente na nossa decisão diária pela alegria ou pela dor de viver.
 
FELIZ ANO NOVO!

 

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