domingo, 28 de julho de 2019

Ausência







Sinto falta de estar aqui como eu queria.

Sinto muito.
Está difícil viver. Está difícil respirar.
As palavras não me abandonam e nelas jogo a minha âncora.
Tenho estado em outras frentes.
Prenhe de arco-íris.
Gratidão imensa aos caminhos que se abrem apesar do nevoeiro, dos raios, da tempestade.

Se sentirem a ausência, me encontrem na Revestrés, blog Do Caminho:
Revestrés/Do Caminho

ou na plataforma literária LiberoAmérica


quinta-feira, 11 de abril de 2019

Dois modos de ouvir os oitenta e uns



Então irromperia um novo paradigma, vale dizer, uma nova 
consciência e de acordo com ela um novo modo de produção 
e de consumo que buscaria um acordo com as possibilidades
reais da Terra e as demandas sensatas e justas de toda 
a comunidade de vida, especialmente, dos seres humanos.

(Leonardo Boff, em entrevista ao portal Ideia Sustentável)


Chuva e flores no planalto central



Há alguns dias uma amiga me convidou para ver uma palestra de Leonardo Boff. Larguei tudo. Troquei de roupa rapidamente e fiquei de tocaia no portão como criança à espera de um brinquedo novo. Quando que, nesse tempo dominado pela falsidade e a surdez, eu teria nova chance de ouvir um intelectual desse porte assim de perto?

O auditório estava lotado, mas chegamos a tempo de encontrar um lugar para sentar. Dezenas de pessoas se espremiam pelas laterais. Gente de todas as idades. Mas o que me deixou mais feliz do que ficar acomodada em uma cadeira foi observar a presença animada dos jovens. Aplausos. Muitas palmas e um respeitável senhor de oitenta e um anos, com algumas mazelas pelo corpo, se pôs de pé no meio do palco. Trouxeram-lhe uma cadeira que ele recusou, prontamente, dizendo preferir sentir circular a energia.

sábado, 2 de março de 2019

Sobre carnaval, ilhas e sinos



Nenhum homem é uma ilha, um ser inteiro em si mesmo;
todo homem é uma partícula do continente (...)
Também a morte de um único homem me diminui, 
porque eu pertenço à humanidade. 
Portanto, nunca procures saber por quem os sinos dobram.
Eles dobram por ti.

(John Donne, trecho de Meditação XVII)
(trad. Luis Peazê - como parte de Por quem os sinos dobram de E. Hemingway)

a nuvem, por Sergia A.


Ando escrevendo pouco por aqui. Desmotivada pelo turbilhão de acontecimentos que nos deixam perplexas e apáticas. Ao comentar a bestialidade dos nossos dias, uma amiga me disse hoje que sentia-se como se estivesse mergulhada em um pesadelo, daqueles que não conseguimos acordar. A mesma sensação que se apoderou de mim ao ver o aparato de guerra que cercou a saída do presidente Lula para participar do velório do neto e os comentários dos haters que estão no poder. É isso, pensei me enchendo de esperança de que por mais aterrorizante que seja uma hora ele vai acabar. Afinal essa é a dinâmica natural de um pesadelo. 

Muitas outras imagens nos vem à mente em horas como essa, em meio a angústia que a morte de uma criança nos causa. Dormi abraçada com a minha neta de sete anos, agradecendo aos céus pela sua saúde e por ela estar comigo naquela noite, ou por eu estar em condições de abraçá-la. Mas uma imagem se impôs: a de um padre irlandês que foi meu professor no ensino fundamental. Um dia ele entrou na sala e escreveu no quadro a frase de John Donne que hoje me guia, e nos pediu que falássemos a respeito. O que viesse à cabeça diante da afirmação de que Nenhum homem é uma ilha. Só muito depois eu viria a conhecer o texto completo, e o livro de E. Hemingway. A essas alturas não lembro com detalhes, mas sei que na proposta de discussão estava o desejo de nos induzir o pensamento sobre a condição humana, ou o nosso pertencimento àquilo que chamamos humanidade.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2019

Comer é um ato político


Qué es esto preguntamos
qué es esto e hasta dónde.
El mundo cede vuelve
retrocede
se borra se derrumba se hunde
lejos
deja de ser.


(Idea Vilariño, Poesia completa p.191)


A feira, por Sergia A.


Em uma conversa descontraída sobre alimentação saudável, uma colega de academia me disse que não comprava produtos de assentamentos por conta do "viés ideológico". Era contra invasão de terras. Repetiu palavra por palavra de todo aquele repertório que aprendemos na TV antes das correntes do Whatsapp governarem a nossa vida. Virei o rosto para que ela não percebesse o riso sarcástico. Sou involuntariamente transparente. Já me disseram isso uma vez. Os músculos da minha face reagem e denunciam o meu pensamento para o bem ou para o mal. Oi? e o veneno que você compra no supermercado é isentão? Era o que estava escrito na minha testa, e eu guardei para essa crônica que mergulha na insensatez dos nossos dias. Guardei por cansaço, por puro cansaço e falta de paciência para discussão.

Sim, os primeiros trinta dias de 2019 me deixaram muito cansada. Certamente não foi só a mim. Mais cansados que eu devem estar os professores da rede pública que veem um profeta do obscurantismo se apossar das parcas conquistas de três gerações, ardente do desejo de transformá-las em pó, enquanto seus míseros tostões caem na conta com atraso. Sem projeto para o único caminho que poderia colocar o país em uma trajetória de civilização, nega-se a ciência, a pedagogia, apagando conhecimentos científicos com a justificativa de retirar da educação o viés ideológico. Pergunta-se o que é a ciência, senão o questionamento constante do conhecimento? Como questionar o conhecimento sem conhecê-lo? 

Mais cansados que eu devem estar os ativistas de direitos humanos, os defensores das minorias, das comunidades indígenas, dos quilombolas, os que fazem os movimentos anti-racismo e feministas. Deve ser exaustivo acordar nas manhãs com as declarações absurdas da ministra evangélica (e aqui o acento se coloca porque essa é a sua ótica sobre a sociedade) justificando sua imposição bíblica para retirar das famílias o viés ideológico. Por mais que digam que o que ela diz é cortina de fumaça para encobrir algo tenebroso na economia, ela tem poder não apenas na igreja que lhe dá sustentação. Seu projeto é político, e a nossa frágil democracia já demonstrou que os três pilares são vasos comunicantes.