sexta-feira, 1 de fevereiro de 2019

Comer é um ato político


Qué es esto preguntamos
qué es esto e hasta dónde.
El mundo cede vuelve
retrocede
se borra se derrumba se hunde
lejos
deja de ser.


(Idea Vilariño, Poesia completa p.191)


A feira, por Sergia A.


Em uma conversa descontraída sobre alimentação saudável, uma colega de academia me disse que não comprava produtos de assentamentos por conta do "viés ideológico". Era contra invasão de terras. Repetiu palavra por palavra de todo aquele repertório que aprendemos na TV antes das correntes do Whatsapp governarem a nossa vida. Virei o rosto para que ela não percebesse o riso sarcástico. Sou involuntariamente transparente. Já me disseram isso uma vez. Os músculos da minha face reagem e denunciam o meu pensamento para o bem ou para o mal. Oi? e o veneno que você compra no supermercado é isentão? Era o que estava escrito na minha testa, e eu guardei para essa crônica que mergulha na insensatez dos nossos dias. Guardei por cansaço, por puro cansaço e falta de paciência para discussão.

Sim, os primeiros trinta dias de 2019 me deixaram muito cansada. Certamente não foi só a mim. Mais cansados que eu devem estar os professores da rede pública que veem um profeta do obscurantismo se apossar das parcas conquistas de três gerações, ardente do desejo de transformá-las em pó, enquanto seus míseros tostões caem na conta com atraso. Sem projeto para o único caminho que poderia colocar o país em uma trajetória de civilização, nega-se a ciência, a pedagogia, apagando conhecimentos científicos com a justificativa de retirar da educação o viés ideológico. Pergunta-se o que é a ciência, senão o questionamento constante do conhecimento? Como questionar o conhecimento sem conhecê-lo? 

Mais cansados que eu devem estar os ativistas de direitos humanos, os defensores das minorias, das comunidades indígenas, dos quilombolas, os que fazem os movimentos anti-racismo e feministas. Deve ser exaustivo acordar nas manhãs com as declarações absurdas da ministra evangélica (e aqui o acento se coloca porque essa é a sua ótica sobre a sociedade) justificando sua imposição bíblica para retirar das famílias o viés ideológico. Por mais que digam que o que ela diz é cortina de fumaça para encobrir algo tenebroso na economia, ela tem poder não apenas na igreja que lhe dá sustentação. Seu projeto é político, e a nossa frágil democracia já demonstrou que os três pilares são vasos comunicantes.