domingo, 30 de dezembro de 2018

Pensamentos bobos às vésperas de um ano velho

(Ou pequenas histórias de um mundo louco)



Artigo I.
Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. 
São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos 
outros com espírito de fraternidade.

(Declaração universal dos direitos humanos)



estrela, por Sergia A.


Estou dentro de um avião, aguardando a autorização para decolagem e aborrecida por ter esquecido de colocar na bolsa o livro que me salvaria da espera. Voo lotado, como são os voos de dezembro. Ainda assim há duas vagas ao meu lado. O piloto anuncia que teremos um pequeno atraso para aguardar passageiros em conexão. Na fileira atrás de mim, uma família. Pai com ar sério e compenetrado, uma mãe muito loura para disfarçar os fios brancos e uma filha muito jovem. Impossível não ouvir. Os direitos humanos só servem para defender bandidos, gritou o pai. O que são direitos humanos, questionava a filha em tom sereno e desafiador. Ele bradava em alto e bom som aquilo que cansou de ouvir de jornalistas de programas policiais de TV aberta, ressoando as vozes das organizações de direita que plantaram a ideia que levou à morte Marielle Franco e tantos outros ativistas de direitos humanos nesse país marcado pela desigualdade. A cada grito do pai, eu me enervava e me continha a muito custo. A mãe interrompia com um sem brigas, por favor, o que encorajava a filha e me dizia que aquela era uma discussão antiga. A cada argumento da filha, eu respirava fundo e sorria para mim mesma, aliviada.


O mais interessante dessa ausculta involuntária de sentimentos (deles e meus) era perceber no discurso do pai a referência aos "direitos humanos" como se fossem um agente, uma pessoa, uma organização e não um conjunto de princípios. E repetia a célebre: quando morre um pai de família os direitos humanos não aparece sequer para perguntar como estão passando os familiares, mas se prender um bandido na mesma hora chega lá os direitos humanos para soltar. Ao que a filha argumentava que investigar e prender bandidos era trabalho da polícia e precisava ser feito adequadamente. Se isso não acontecia havia problemas na polícia, na segurança pública e não nos direitos humanos. Ouvia algo mais, tipo: agora esses direitos humanos vão ver o que é bom. Tudo vai mudar! Ao que ela respondia tentando esclarecer que as pessoas que defendem os direitos humanos defendem a dignidade do ser humano que era algo muito mais abrangente.