quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Sobre montanhas e flores amarelas


Atrás daquela montanha
tem uma flor amarela;
dentro da flor amarela,
o menino que você era.
Porém, se atrás daquela
montanha não houver
a tal flor amarela,
o importante é acreditar
que atrás de outra montanha
tenha uma flor amarela
com o menino que você era
guardado dentro dela.


(Ivan Junqueira,  Flor Amarela, Poesia Reunida)


atrás da montanha, por Sergia A.



O mundo, apesar de suas montanhas pontiagudas e vales abissais, é redondo. E, talvez por isso, gira. Ou, pode ser o contrário: a forma vem do movimento. Mas o fato é que gira, e girando cria na percepção de seus habitantes os dias e as noites, o inverno e o verão, e todas as metáforas que alimentam sua imaginação. Algo me diz que por esses tempos os giros estão acelerados, removendo tudo que um dia se pensou como certeza. Resta a tontura que nos obriga a respirar fundo para encontrar de volta o prumo.

Algo também me diz que aqui e acolá a natureza capricha nos detalhes dos ciclos para não parecerem assim tão iguais. Há que se afastar da memória dos sobreviventes a sensação de déjà vu. Essa incômoda sensação que hoje, aos que já viveram muito ou aos que tendo vivido menos não deixam escapar a História, faz parecer que estamos de novo diante de antigas armadilhas. No ar uma promessa de progresso social, ou pelo menos um discurso de promoção do bem comum em que novas vozes se fazem ouvir. Como sempre, há também no ar forças contrárias que preferem a comodidade do tudo como sempre foi, a garantia de manutenção de privilégios seculares. Instala-se o embate. Se resolvido pelo processo democrático e civilizado ganhamos todos. Avançamos. Se não, sabemos bem onde vai dar. A história do mundo não cansa de mostrar. 

Do universal chega-se ao local, sem sobressaltos. Por aqui, o pensar no coletivo se perde em meio aos interesses dos partidos políticos e do poder econômico. Não há como negar os avanços sociais dos últimos anos, apesar do muito que ainda falta. Não há como fechar os olhos para  os erros. Cutucaram duas onças com vara curta, diria a minha avó. De um lado saciaram a sede de grupos que, por experiência e tempo de poder, conhecem bem esses caminhos e tem nas mãos os instrumentos de manipulação da opinião pública. De outro despetalaram a flor buscada por uma camada sonhadora e esperançosa, que ora amarga a decepção diante da retirada brutal do véu da inocência. 

Ah! esqueci de dizer. Entre um vale e outro vivem os teimosos, aqueles que acreditam existir outra flor amarela atrás da nova montanha. É deles o desejo de que, retirado o véu, se descubra que não existem anjos nem demônios. Ou, talvez, que anjo e demônio muitas vezes habitam o mesmo corpo. Lição aprendida, que se avance na compreensão de que o aprimoramento dos processos de controle e transparência aliados a participação popular, em todos os níveis, é um caminho possível. Talvez, a única forma de garantir a todos um tempo bom no mundo. O mundo redondo, que gira independente da vontade dos que se imaginam seu dono. Que, desta vez, se possa imitar a natureza naqueles momentos em que ela capricha nos detalhes!


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