domingo, 30 de setembro de 2018

O levante das mulheres




Uma rua começa em Itabira, 
que vai dar em qualquer ponto da terra.



 (Carlos Drummond de Andrade, América)


Teresina diz #EleNão, por Edilene Facundes



Vivemos um tempo difícil. Aqui e no mundo. A crise migratória na Europa, a crise de representação norte-americana, a crise política brasileira revelam, de repente, as cores desse tempo que nos sufoca. E nos sufoca porque tendemos a imaginar que o tempo é uma linha reta em direção ao futuro. Imaginamos que o que ele nos trouxe de ruim foi superado e o que ele nos trouxe de bom está assegurado. No entanto, o tempo é indomável e não obedece ao traçado dos homens. Ao contrário, teima em manter um movimento cíclico. Depois de nos oferecer uma revolução nos costumes, e a promessa de uma era de aquários, nos convida a surfar em uma onda de conservadorismo angustiante.

Como já disseram os observadores do tempo antes de mim, e eu apenas repito, quem primeiro sofre as consequências das retrações econômicas e dos retrocessos políticos são as mulheres e as minorias. É sobre elas que cai todo o peso. A xenofobia que empurra os reacionários ao poder na Europa nada mais é do que o medo de ver o outro ocupando um lugar que, a principio, era deles. Ninguém questiona de onde vinha o conforto desse lugar, ou se sua construção usou como combustível a vida do outro em guerras sangrentas distantes. 


O discurso belicista e sexista que elegeu Donald Trump nada mais é que uma resposta ao medo do desemprego crescente que as crises periódicas do capitalismo geram. É o excedente de mão de obra que mantém a garantia do lucro. É o avanço tecnológico que reduz a necessidade de mão de obra humana com menor instrução. E é nesse excedente que se jogam mulheres e minorias. Por que são menos instruídas? Não, porque na medição de forças perdemos para os resquícios do patriarcado e para o pensamento hegemônico dos que detém o poder. 

O conservadorismo e o obscurantismo que se apossou da representatividade política brasileira nos últimos anos nada mais é do que um desejo de retorno a um passado nostálgico, como se a modernidade provocasse um desconforto extremo. Ninguém se pergunta quanto desconforto esse passado desejado causou aos negros, aos pobres, às mulheres, aos gays e aos que professam outras fé. 

Ainda escrevo embriagada pelo que vi e ainda ressoando no ouvido o som dos passos sobre uma tarde excessivamente quente. E o que vi me diz que uma rua começa num ponto qualquer de um país abaixo do Equador e se alarga para o mundo. Uma rua que começa em um grupo em uma rede social que, contradizendo o discurso da "pós-verdade", alimenta e se retroalimenta do clamor dos passos sobre calçadas. Sim, antes de nós, em outras terras elas marcharam e gritaram Me too contra o sexismo e a opressão, mas é aqui no meu solo, às vésperas de uma eleição, que as múltiplas vozes ecoam fragmentando estruturas partidárias e de comunicação tradicionais. 

Sim, é na minha aldeia que sinto nascer um movimento capaz de dar um salto no tempo. Não estamos dizendo não apenas a um candidato, como pensam alguns. É contra o conservadorismo que conduz aos extremos, é pelo direito de existir e ter vida plena que mulheres e minorias se juntam e cantam #EleNão. Como diz o poeta que hoje me guia, muitas palavras já não precisam ser ditas. Elas cantam melhor do que eu.


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