domingo, 19 de fevereiro de 2012

Conjugando o Verbo Perder


In Her Shoes, por Curtis Hanson (2005)
Fonte: YouTube

O vento soprava frio na varanda que amanheceu sem sol. Sou assim, passo mal e reclamo dos 40 graus, mas sinto nos ossos os 22 das manhãs que se seguem a noites chuvosas. Fugindo do vento na varanda, o café de domingo se resignou ao sofá da sala, ao lado de um sedutor controle remoto e uma tela magnética. Uma oportunidade de ver, nas sessões repetidas, Cameron Diaz compondo uma cena em que a personagem aprende a ler poemas seguindo a cadência de Elizabeth Bishop (1911-1979) em One Art, no drama hollywoodiano In her Shoes (Em seu Lugar, na tradução brasileira) do diretor americano Curtis Hanson (2005).

O aprendizado de Maggie é tamanho que o filme chega ao fim com uma emocionante leitura de um belo poema de e.e.cummings (i carry your heart with me), como o coroamento de um final feliz para a conflituosa relação entre duas irmãs, que vivem a dificuldade de lidar com as perdas. Aliás, esse é o tema que permeia todo o filme, tendo no diálogo com a literatura o fio condutor para construção de significados. Por isso, é o irônico poema-treino de Bishop que lhe dá o tom, e hoje direciona meu pensamento como um exercício na delicada arte de traduzir poesia ou de lidar com sentimentos:


One Art

The art of losing isn't hard to master;
so many things seem filled with the intent
to be lost that their loss is no disaster.

Lose something every day. Accept the fluster
of lost door keys, the hour badly spent.
The art of losing isn't hard to master.

Then practice losing farther, losing faster:
places, and names, and where it was you meant
to travel. None of these will bring disaster.

I lost my mother's watch. And look! my last, or
next-to-last, of three loved houses went.
The art of losing isn't hard to master.

I lost two cities, lovely ones. And, vaster,
some realms I owned, two rivers, a continent.
I miss them, but it wasn't a disaster.

--Even losing you (the joking voice, a gesture
I love) I shan't have lied. It's evident
the art of losing's not too hard to master
though it may look like (Write it!) like disaster. [1]


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Uma Arte

A arte de perder não é de difícil domínio;
tantas coisas parecem repletas do intento
de serem perdidas que sua perda não é infortúnio.

Perca uma coisa a cada dia. Aceite o suplício
de perder as chaves da porta, a hora displicente.
A arte de perder não é de difícil domínio.

Então treine perdas avançadas, perdas momentâneas:
lugares, e nomes, e rumos que você deveria normalmente
tomar. Nada disso vai provocar infortúnio.

Perdi o relógio de minha mãe. E veja! minha última,
ou penúltima, de três casas amadas se foi ao vento.
A arte de perder não é de difícil domínio.

Perdi duas cidades, adoráveis. E, muito
mais reinos que eu possuía, dois rios, um continente.
Sinto sua falta, mas não foi um infortúnio.

--Mesmo perdendo você (a voz engraçada, um ímpeto
que eu amo) eu não poderia sucumbir. É evidente
a arte de perder não é de difícil domínio
embora possa parecer (Anote!) como infortúnio.

(tradução:  Sergia A.)

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[1]  From The Complete Poems 1927-1979 by Elizabeth Bishop

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