sexta-feira, 6 de abril de 2012

Do Laboratorio: a arte de servir


Foi-se o oitavo mês. O primeiro ano avança entre novas descobertas, lembranças e reflexões.



Foto de reprodução do original de Liz Medeiros (2002)


Já disse aqui uma vez que adoro dicionários. Eles estão sempre prontos para me socorrer quando o pensamento deseja ardentemente ter uma forma concreta. Algumas vezes percebo certa conspiração do universo para que esse convívio se materialize. Vejam se não tenho razão. Em um dia um amigo me chama a atenção para a origem do meu nome, muito provavelmente do Etrusco, depois do Latim (sergius) dizia ele meio constrangido para me confirmar o significado em bom português: “servo, escravo”.  No outro, por causa de uma pessoa querida, eu que não tenho prática religiosa há anos, senti um nó na garganta e não segurei a lágrima ao ouvir a voz grave de um coral octeto enchendo uma Igreja com a beleza e lição de humildade da Oração de São Francisco. Como se não bastasse, no dia seguinte recebo um convite para participar de uma reunião informal de apreciadores de vinho. O grupo carinhosamente se autodenomina CONFRALIZ, em homenagem a um dos seus integrantes fundadores que já não está entre nós fisicamente, a artista plástica autora do desenho que hoje ilustra esta página e inspira o texto.

Bom, mas o que isso tem a ver com dicionários? Tem que depois do encontro lembrei que tinha guardado uma reprodução dessa obra dentro de um dicionário (ainda uso o de papel, às vezes preciso perder esse tempo). E, foi justamente a ele que recorri para encontrar uma diferença significativa entre ser servo e ser servil . Alivia-se a carga da palavra servo no sentido de escravo, ou aquele que tem um senhor e de quem se torna servil, para ganhar a dimensão de estar a serviço de, ou estar sempre pronto para servir não por ter um dono, mas por ter consciência de seu papel no mundo. Engraçado é que, embora eu esteja muito, muito, muito distante desse ideal, as histórias de vidas que se dedicaram a servir sempre tiveram um forte impacto sobre mim. Com sólida formação católica aprendi desde cedo a admirar a vida dos santos e do próprio Cristo. Consegui, a duras penas, me libertar dos seus dogmas, mas tenho profunda admiração e respeito por aqueles que ousam deixar de lado sua própria vida em nome da fé ou de uma boa causa, seja ela qual for. Talvez por isso, a oração de São Francisco, como uma representação dessa intensa busca por estar a serviço do outro continue me emocionando.

Os muitos anos da primeira parte (o Laboratório) foram, de certa forma, reveladores da imensa dificuldade de enxergar o outro antes de nós mesmos. Por isso a lembrança nesta data. No início havia uma dúvida sobre a natureza do nosso trabalho. Éramos servidores públicos ou éramos bancários? Os deveres eram regulamentados pela mesma lei dos bancários, direitos como a jornada de trabalho reduzida não nos era devido. Nesse ponto éramos servidores públicos, embora as demais regalias desses servidores não chegassem até nós. Bom, mas o fato é que chegava sim, com muita força, a missão de servir. Éramos o único Banco a atender as necessidades da população de baixa renda e a aplicar políticas públicas de desenvolvimento social, embora nem sempre essas políticas estivessem realmente a serviço dessa parcela da sociedade. Ainda assim, muitas vezes apenas em nome dessa missão era possível assumir responsabilidades e enfrentar os conflitos. Não há como passar por isso impunemente. Buscava na arte a compreensão. Só a sua voz descortinando a natureza humana no silêncio das noites era capaz de devolver a luz nas manhãs.

Bendita conspiração. Sergius, servo, servir... Talvez não seja possível escapar de uma marca que faz parte da nossa identidade. Como não se manifestou em mim até agora nenhuma vocação para escravidão ou santidade, só me resta, nesta sexta-feira em que os cristãos revivem a paixão de Cristo, humildemente desejar que na segunda parte a arte de servir seja o caminho, que a defesa da liberdade e da justiça seja o jeito de caminhar, e que a poesia (presente em todas as artes) continue ajudando a encontrar o sentido da vida.

2 comentários:

  1. OI Sérgia,

    Nem sempre consigo postar os comentários, só hoje vi o desenho da Beth num texto tão lindo que ela ia ficar feliz.

    Beijos eugenia

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    1. Oi Eugênia,
      Que bom que você gostou. A arte da Beth é realmente inspiradora.
      Abraços.

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