quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Das inutilidades

 
 Die Walküre, Opera North,
Fotografia: Clive Barda. Disponível em http://www.operanorth.co.uk
 
Foi-lhe ofertada a música invisível
que é o dom do tempo e que no tempo cessa;
foi-lhe ofertada a trágica beleza,
foi-lhe ofertado o amor, coisa terrível.
 
(Jorge Luis Borges, os dons in Atlas,
 trad. de Heloisa Jahn)


Existe um amar que nada exige, dizia-me seu silêncio. Eu ria de tamanha ingenuidade. Existe um amar que deixa partir, dizia-me seu gesto de desapego. Eu duvidava de tal desprendimento. Existe um amar que desconhece o relógio, dizia-me sua espera infinita. Eu via a ferocidade do tempo. Existe um amar que veda os olhos para as curvas do espaço, dizia-me o alcance de sua vista. Eu insistia no fosso escuro das distâncias. Até encontrar crianças invadindo as manhãs. Até acordar sem manhãs quando elas se vão. Isso me vem à mente quando um vento frio me obriga a vestir o casaco na saída do teatro, em pleno verão.

São 16h30. As luzes da platéia se apagam. O palco se ilumina. Um maestro magistralmente assume seu posto. O ritmo das palavras chega aos meus ouvidos com estranheza diante da minha ignorância da língua alemã. Meus olhos aflitos se alternam entre projeção de imagens, performances dramáticas e legendas em inglês. Minha mente perdida no turbilhão da tradução faz conexões com a sinopse gentilmente apresentada no embalo de uma conversa na noite anterior. Contudo, algo invade meu corpo, bem do lado do cérebro que é coração, e arrebata meu ser racional, afogando-o em estado de graça e tensão por exatas cinco horas e meia. 

 Mergulho na intensidade do canto lírico. Um mundo de irrealidades vem até mim. A produção semi-staged de Die Walküre, pela aclamada Opera North, ocupa o palco sem cenários tendo apenas telões ao fundo. Aprendo que As Valquírias é a segunda parte de Der Ring des Nibelungen (O Anel do Nibelungo), o ciclo de quatro óperas em que Richard Wagner recria as sagas da mitologia nórdica, para discutir vícios bem humanos: o desejo e os jogos do poder. Mas, em Die Walküre, a força motivadora de seus eventos é o terrivel poder do amor, que não distingue deuses de humanos. Estão no palco a paixão avassaladora que não se curva às regras do mundo, o amar de filha que não se submete à obediência cega, o amar de pai que não hesita diante da necessidade de punir, o amar de mãe que não sucumbe ao desespero para gerar uma vida preciosa.

No silêncio absoluto da platéia escuto discretos soluços. As luzes se acendem sob aplausos efusivos. Estou na porta do The Lowry e sinto frio. Agasalho-me enquanto coisas inúteis invadem o meu pensamento.

Escrito em 15/07/2012

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