quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

A soma das manhãs


Sopro morno, por Sergia A.


Para marias e franciscas                 

Com quantas manhãs se faz um despertar?
O gesto simples de descerrar olhos sonolentos e dizer – estou viva
Despertar automático, inocente nos campos da infância
Limão e fogo de lenha perfumando o sol das manhãs
Feijão, arroz e afeto em esteiras de casa de avós.

Com quantas manhãs se faz um despertar?
O gesto nobre de descortinar letras preguiçosas, sem escola
Despertar para o não, negação do direito ao saber – sou mulher
Honrar pai e mãe, mandamentos divinos, convenientes
Espelhos, laços de fita e sentimentos comedidos.

Com quantas manhãs se faz um despertar?
O gesto sagaz de buscar sentidos inaugurais na festa da padroeira
O vôo, o encontro de olhos oblíquos e observadores – quero vida
Liberdade em faces, escolhas e seus efeitos, sem perdão
Balcão, porta, amores e chão batido nos caminhos inevitáveis.

Com quantas manhãs se faz um despertar?
O gesto natural de expulsar das entranhas novos seres
Despertar e ser despertado pelo seio que amamenta – sou mãe
Pares de olhos famintos de novas graças na construção dos dias
Pelas janelas desejos reprimidos em sonhos transmutados.

Com quantas manhãs se faz um despertar?
O gesto sábio de libertar o passado e suas dores
Descerrar as pétalas do instante sem sombras de futuro – sou o agora
Completo, repleto do ritmo dessa luz que se derrama sobre as horas
Transborda entre dedos o sopro morno que transporta nossas vidas.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigada pela visita! Volte sempre.