segunda-feira, 8 de abril de 2013

Cinco noites


Rodeada de mar por todas partes,
soy isla asida al tallo de los vientos...
Nadie escucha mi voz, si rezo o grito:
Puedo volar o hundirme... Puedo, a veces,
morder mi cola en signo de Infinito.
Soy tierra desgajándome... Hay momentos
en que el agua me ciega y me acobarda,
en que el agua es la muerte donde floto...
Pero abierta a mareas y a ciclones,
hinco en el mar raíz roto.
Crezco del mar y muero de él... Me alzo
¡para volverme en nudos desatados...!
¡Me come un mar batido por las alas
de arcángeles sin cielo, naufragados!


 (Dulce María Loynaz )


Praça da Revolução, por Sergia A.

Sem roteiro definido desembarco no aeroporto José Martí, movida por uma curiosidade que se conteve por décadas. Meus olhos habituados ao estímulo dos outdoors chamativos, letreiros brilhantes e vitrines luminosas de outras metrópoles vencem a estranheza e se adaptam lentamente à baixa quantidade de lumens das ruas e avenidas que me levam às proximidades do centro histórico de Havana. Sim, fujo da comodidade dos hotéis de grandes redes que se estendem pela orla e escolho uma acomodação legitimamente cubana. Um mojito me traz o sono e o descanso merecido depois de longas horas de conexões. Ali, na austeridade de um quarto sem telefone ou internet, às vésperas da Páscoa cristã, se inicia minha semana de luz.


Cores e sonhos,  por Sergia A.
Descubro na luminosidade da manhã que além do cheiro forte exalado pelos escapamentos dos carros antigos, a cidade respira história e cultura. Das fortalezas e palácios que resguardavam a base estratégica da marinha espanhola nos séculos de colonização, a museus, catedrais, livrarias, trupes e bailarinas, à musicalidade de suas esquinas, tudo é envolvente. O ritmo e suas cores alucinantes desafiam minha tola resistência. Entrego-me ao sorriso fácil de sua gente e à busca incessante de respostas às perguntas que me levaram até ali.



Livros e sonhos, por  Sergia  A.






Na livraria, o atendente não entende o meu assombro diante do ínfimo valor que me é cobrado pelos livros escolhidos (entre eles, os de dança, recheados de fotografia). Os bares nos saúdam com Tom Jobim (que alívio! Não é o hit de um tal Teló).




Alguém diz que por ter nascido depois da revolução não conhece outro sistema político/econômico e não pode fazer comparação. Seus filhos são inteligentes, tem acesso a educação e saúde de qualidade, e ele estava ali gordito e feliz. Sim, para minha surpresa seus rostos não exprimem a tristeza dos povos oprimidos ou a ansiedade pela liberdade de consumir. Ao contrário transmitem, sem esforço, o orgulho de seus valores e de poder oferecer, além da luz extasiante, uma irrepreensível segurança aos seus visitantes. Aqui passo a concordar com Alain de Botton quando diz que “O que consideramos exótico no estrangeiro pode ser aquilo porque ansiamos em vão em nosso próprio país.”

Isso me traz à mente as vozes infantis repetindo “mas nós estamos bem” em uma cena do musical Y, sin embargo... (2012), longa de estréia do diretor cubano Rudy Mora. Um tipo de fábula fantástica que tem como tema o conceito de “verdade”. Baseado em texto do dramaturgo russo Alexander Jmélik, o filme tem como premissa a frase supostamente murmurada por Galileu Galilei ao renegar sua visão heliocêntrica diante do tribunal da Inquisição: no entanto, ela se move. Esse é o mote para questionar a subjetividade da História ou da verdade. Daí o título.




Fonte: YouTube

Com a leveza e a liberdade dos questionamentos infantis (suas personagens principais são crianças) satiriza o excesso de controle e tentativa de uniformização do pensamento, como a busca de consenso nas comissões, bem conhecida dos cubanos. Fazendo bom uso da linguagem do cinema, em uma cena de “diálogo” entre a diretora da escola (símbolo do poder na narrativa) e o aluno (personagem principal) o filme expõe, além da sensação de impotência diante de um poder que excede, a velha questão que se mantém latente: liberdades individuais versus responsabilidade coletiva. À segunda parece ceder o imaginativo Lapatún. No entanto, nada impede que haja sonhos em seu silêncio, insiste a canção de Silvio Rodriguez que reveste a cena final. Que tipo de pessoas somos nós? porque tudo podemos esclarecer e não cremos em nada? Pergunta, em um tom talvez excessivamente doutrinário, a pequena Shafín. O caminho sensível da arte (simbolizada pela musica) e da imaginação (mais que a ciência, a poesia) é uma resposta possível deixada no ar, sabiamente. 

Sigo, entre sombras, a intensidade da luz que se desbota majestosamente ao meu redor. O sabor refrescante do daiquiri aplaca minha sede e relaxa meus músculos exaustos após longas caminhadas sem guia. Na sétima noite encontro a maciez dos meus lençóis. Desfaço malas e me deparo com novas perguntas entre livros, CD, charutos, ímãs e amostras de run. Há, ainda, um leve pressentimento de que a luz que penetrou minhas retinas não pertence à Yoani ou a Fidel, mas aos ventos que moldaram a ilha, simplesmente.

Luz do entardecer, por Sergia A.

Se à geração de Che e Fidel coube a dureza da guerra pela soberania do país e extensão de direitos básicos a toda sua gente, cabem a yoanis e rudys as armas e os desafios de um novo tempo. Que se mantenha sempre vivo o direito de sonhar! E a luz, por certo, prevalecerá.

3 comentários:

  1. Lindo texto, Sérgia! Cuba é, definitivamente, um lugar mágico!

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    1. Obrigada,Juliana!
      Dificil encontrar palavras para dar conta da intensidade desses dias.

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