quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Licença para falar do amor

The moon and you appear to be
So near and yet so far from me
And here am I on a night in June
Reaching for the moon and you
 
(Irving Berlin in Reaching for the moon)
 
 
Leveza, por Sergia A.
 
 
 
Flores Raras (Reaching for the moon, na divulgação internacional), de Bruno Barreto, em sessão única em uma das poucas salas de cinema desta cidade. Lá dentro me dou conta, penalizada, de que o tamanho da platéia não justificaria um acréscimo. Acomodo-me e me deixo seduzir por uma delicadeza poucas vezes vista no cinema nacional. Delicadeza que se manifesta na trilha sonora, nos figurinos, na fotografia, nos detalhes dos objetos usados em cena para compor uma época, na simplicidade do fluxo narrativo, na naturalidade da abordagem daquilo que é tão caro quanto complicado para os seres humanos: os sentimentos.
 

Apesar do título, o filme não se define como tradução do livro Flores raras e banalíssimas de Carmen L. de Oliveira (1995), mas como uma obra baseada em fatos reais. Segundo o diretor, o roteiro é fruto de leituras diversas (cartas, agendas, entrevistas, biografias da arquiteta/paisagista brasileira Lota de Macedo Soares e da poeta norte-americana Elizabeth Bishop, entre elas, obviamente, o livro de Carmen). O recorte é o tempo entre a chegada de Bishop ao Rio de Janeiro (1951) e a morte de Lota em Nova York (1967), e por todas as cenas perpassam sutilmente a precisão poética e capacidade de descrição de uma, assim como a espontaneidade, praticidade e o desejo de realização da outra. No entanto, se distancia do viés documentarista para se afirmar como uma ficção construída com esmero para narrar as alegrias e dores do viver. 
 
 
 
Decepcionam-se os que procuram profundidade histórica (o que seria plenamente aceitável pelo rico cenário político em que se ambienta a narrativa) ou uma possível exaltação à causa homossexual (tão em voga nos nossos dias). Encantam-se, por outro lado, os que se permitem ser tocados pela leveza como opção estética para tratar de temas densos como a perda, que se anuncia nos versos de Bishop na abertura do filme. Ou, a busca incessante de si mesmo, o peso das diferenças culturais, a fragilidade que habita a nossa aparente fortaleza ou a energia que se esconde sob nossas fraquezas. Humanos e seus afetos tecendo relacionamentos. Ah! o amor: às vezes tão perto e tão inalcançável diz a canção, imortalizada na voz de Ella Fitzgerald, que reveste a cena final e nos obriga a ler o letreiro. Uma preparação para a realidade que as luzes acesas de repente despertam.
 

 

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