quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Sob o céu de imortal claridade



Para descrever as nuvens 
eu necessitaria ser muito rápida – 
numa fração de segundo 
deixam de ser estas, tornam-se outras. 

(Wislawa Szymborska in Nuvens, poemas p.103
tradução: Regina Przybycien) 



 Além do árido sertão, por Sergia A.


Trago comigo uma estranha mania. Olhar para nuvens. O vagar ligeiro. O passar carregado. Não importa: aprecio. Observo. Faço anotações. Enquanto elas seguem seu rumo sem se dar conta da minha existência simplória. Mania, talvez, de quem nasceu nos grotões (para usar palavra da moda) “sob o céu de imortal claridade” (para usar palavras do poeta, que dão corpo ao hino). Faz parte de mim. 

Às vezes elas afetam meu humor, devo confessar. Ficam por aqui remoendo. Atiçando minha busca por serenidade. Divago por outros céus. E as formas se multiplicam aqui dentro, ao sabor do vento. É assim que esse blog se movimenta. Não há pretensão de retê-las em descrições. Apenas deixar que se vá a tormenta. E elas se vão, caprichando em novos arranjos para me confundir. Ou, para me dizer que as formas não se encerram em si mesmas. Talvez, por isso pareça-me estranho e provocador acordar aprisionada em uma forma única.

Mídia, analistas políticos, estatísticos, sociólogos usam números e me jogam em uma caixa homogênea. Ponho o nariz para fora em busca de ar. O que me vem à mente, de imediato, é uma palestra que vi há alguns anos pelo canal TED/Talks. Nela, a escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie falava, com muita propriedade, do perigo de uma história única. Em breves relatos, contava sua própria história e histórias do seu povo para mostrar que uma cultura se constrói com retalhos de diversas cores e tamanhos. Foi então que me dei conta de que falamos, corriqueiramente, do continente africano (cerca de trinta milhões km² de extensão, 54 países, alta diversidade linguística, três paralelos terrestres dividindo regiões de grande variação climática, de fauna e flora) como se fosse apenas um gueto de miséria ou uma grande savana onde reinam animais exóticos. 

Um jeito de falar que a tudo simplifica, cria estereótipos e alimenta a pressa que nos mantém na superfície. Parece ser penoso olhar para a História. Correr o risco de encontrar as raízes daquilo que gera, entre outros males, a propagação desse pensar apressado. No nosso caso neste instante, parece ser perigoso reconhecer que, talvez, haja pensares diversos. Reações de quem conhece suas muitas histórias e vislumbra um caminho. Tortuoso aqui e ali, mas com chance de se tornar uma estrada.

Grotões. Recorri ao dicionário, meu herói. Sempre me salvando das enrascadas em que me meto. E olha só o que ele me diz: “grota enorme”. Grota. Do grego, krýpte ou do Latin crypta: “abertura por onde a água das cheias invade os campos marginais.” Que a imagem simbólica, presunçosa e simplificadora, se adeque à definição. Que outros campos sejam invadidos por pequenas gotas ou pelas corredeiras que dela jorram, enquanto nuvens se dispersam e se refazem sobre nuanças do azul que inunda o meu olhar. 


Fonte: YouTube 
TEDGlobal 2009 · 18:49 · Filmed Jul 2009 
Subtitles available in 41 languages




(Luis Correia-PI, 09/10/2014)

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