sábado, 4 de outubro de 2014

Tempo de promessas II



Penso que não cegamos, penso que estamos cegos, 
Cegos que veem, Cegos que, vendo, não veem. 

(personagem de José Saramago in Ensaio sobre a cegueira p.310)



Recado na parede (em Lisboa, Portugal)


Calei-me por um tempo. Contentei-me em observar. Voei para fugir do desencanto. Ausentar-me. Ver de longe. Caminho entre ruelas estreitas de cidades medievais. Caminho entre modernas alamedas arborizadas. Caminho ao longo de largas avenidas e seus viadutos. Um recado na parede surge diante da minha lente. Providencial para esse tempo de ouvir um ruidoso falar.

De volta, não escapo da tristeza pela obrigação de votar. Entristeço-me por essa tristeza. Desejo o prazer da escolha, mesmo que o tempo pareça seco. Revejo, facilmente, uma noite interminável que não merece retorno. E a secura de que hoje reclamo é, talvez, fruto da ansiedade de quem vive de sonhos. Da certeza de que há muito por fazer para vê-los realidade.


Das minhas anotações sem sentido, saltam palavras que denotam valorização e cobrança excessivas do poder central. Talvez por miopia, deixamos correr à margem a disputa pela administração e representação local. E é aqui que tudo acontece. Descubro, assim, que é da vista alcançada por minha janela que jorra a fonte da minha tristeza. O mundo mudou. O país mudou (embora haja continuidade no jeito de fazer política). Eu mudei. A aldeia ficou mergulhada em sua inercia, parecem afirmar os discursos que se propagam nos carros de som, nos debates e programas eleitorais. Ainda que a palavra “mudança” se repita de boca em boca a cada segundo.

Olho ao meu redor e nada vejo. Onde se escondem os bons? (Aqueles que entendem o mandato apenas como uma missão que lhes foi confiada. Imunes ao fascínio do poder, trabalham com equipes competentes e conscientes dessa missão). Onde estão os novos projetos? (Minha teimosa esperança ainda crer que somos capazes de desenhar, conjuntamente, o futuro que queremos). 

Levanto a cabeça. Uma estrela risca o céu sem nuvens. Fecho os olhos e desejo ardentemente vencer o desânimo e ver a cidade sorrir. Que, como na ficção, nossa cegueira seja passageira! Que eu possa, em uma manhã de outubro, saltar da cama com leveza, impulsionada pelo prazer de apertar uma tecla verde.


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