quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

Um lugar melhor para você e para mim


Nenhuma palavra
alcança o mundo, eu sei
Ainda assim,
escrevo

(Mia Couto in Poema da despedida)



conhecimento sem cor, por Sergia A.


Era só um menino vendo de perto as insensibilidades do mundo. Há dois anos essa frase me persegue. Para me livrar, dei ao sujeito outro gênero e a usei em outro texto. No entanto, ela (a frase) voltou. Insistente. Encorpada por sua razão primeira. Talvez, porque hoje há um clamor no mundo pela morte brutal de dezessete franceses. Talvez, porque há alguns sussurros sobre a mesma barbárie que abateu mais de dois mil nigerianos. Talvez, porque a distância entre o clamor e o sussurro nos leve de volta ao menino, vítima de outra face da mesma história.

O mundo é desigual. Constatou muito cedo o menino que circulava livremente pelos grandes centros geradores de conhecimento. Amava bibliotecas. Privilegiado, podia ter cedido ao apelo que alimenta essa desigualdade. Seria, então, mais um indivíduo empreendedor bilionário. Mas sua mente sonhadora não via lógica no acúmulo individual de riqueza a partir de um conhecimento sustentado por muitos. Não via lógica em não levar ao outro aquilo que fortalecia a sua genialidade: o acesso à informação e ao legado cultural da humanidade. Não via lógica em desenvolver tecnologia de alcance global, e restringi-la ao local (ou a poucos) em nome do poder (científico, político, econômico). Pensar é perigoso. Questionar a ordem escandalosa do mundo é mortal. Constatou muito cedo o menino, em seu desencanto.

Renitente. Ela volta para me obrigar a rever o documentário The Internet’s Own Boy: The Story of Aaron Swartz (2014), dirigido por Brian Knappenberger. Necessário para que chegue até nós não apenas uma noção do pensamento revolucionário do biografado, como também a dimensão do seu feito. Necessário, sem dúvida, para compreensão do contexto que o levou à escolha final, e nos leva a estabelecer conexões com a perplexidade dos nossos dias. A desigualdade da reação é espelho da insensibilidade que desenvolvemos. O louco mundo como ele é. E, talvez, como pensava o menino, já não seja o bastante apenas viver no mundo como ele é.





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