sábado, 27 de junho de 2015

O cartão



The world is blue at its edges and in its depths. 

(Rebecca Solmit, in A field guide to getting lost p.29)



palmeiras, por Sergia A.


Sem rodeios, a primeira linha me diz que a alegria de junho dói. Segue sem uma vírgula que me faça respirar. Diz que, às vezes, o caminho refeito pela memória é chama de fogueira a nos consumir. Esfrego os olhos e encontro os óculos, ainda na esperança de que tenha sido traída pelo balançar das letras sonolentas. Os pontos de ardência continuam lá.

Se fechá-los, apertando bem, sou transportada ao instante que o antecedeu. A fresta. A porta. O corredor. Os lençóis revirados e o travesseiro abandonado pela pressa do salto. Atraso o relógio em alguns minutos. Desejo ouvi-lo, estridente, abafar o ruído quase imperceptível do papel se embrenhando pela passagem estreita. Ou, dos passos se afastando sorrateiramente. O toque. 

Vejo, no verso, o azul da paisagem como visto por seus olhos. A velha mania por postais. O verde da palmeira fazendo pose para a composição. Ou se compondo como fantasia para despertar as nuanças. O mar. O ar. Outro mar. A distância encurtada, de repente. A dança das palavras. Um ponto final e a distância crescendo novamente até se diluir no mesmo azul.

E eu, que de Santo Antônio queria apenas um dia bom, afoita, atirei-me ao primeiro sinal de movimento. 'Bom dia, junho!' – dizia o cartão embaixo da porta... Abri. Agora arde-me a pele só de pressentir o fole ritmado do acordeom e a preparação dos fogos lá fora. ‘Ah! os ponteiros...’ – sacode-me a última linha, como se antevisse a minha tosca reação. Fitas e uma saia de estampa colorida me apressam só para ver de perto junho findar.

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