sexta-feira, 28 de agosto de 2015

Sobre a vida dos pássaros



I shall keep singing!
Birds will pass me
On their way to Yellower Climes –
Each – with a Robin's expectation –
I – with my Redbreast – 

And my Rhymes –

(Emily Dickinson, 250 in E.D - Selected and Edited by Helen McNeil p.10)



pouso sobre a mesa, por Sergia A.


A tarde era de verão, com todos os atributos e significados para quem o espera por nove longos meses. Os raios douravam o verde das árvores e o branco das peles expostas sem recato. - Ao sol! - Aos parques! Parece ser a ordem que as pessoas se dão no amanhecer. Em terra de sapo, de cócoras com eles. Sigo o conselho da minha avó. 

Sentei-me à distância observando homens e pássaros. Sem o ruído dos motores, esses voavam baixo, alegres e saltitantes, atrevendo-se a pousar aqui e ali, certos de que não seriam incomodados. Ou, arriscavam-se na esperança de bicar a sobra dos humanos. Confesso que fui invandida pelo sentimento sórdido da inveja. Inveja da liberdade dos pássaros e da saudável convivência dos homens. Da aura que, por uma tarde, revestia o espaço compartilhado, a cidade como local do viver juntos que há muito se perdeu no nosso mundo de distâncias e pequenos compartimentos.



a sinalização, por Sergia A. [1]

A imagem me retorna ao ver a reação enfurecida dos homens diante de ciclovias. Ou, diante do fechamento para automóveis, aos domingos, de uma imponente avenida na grande metrópole. Uma clara manifestação do individualismo nosso de cada dia. Aquele que me faz acreditar ser a minha parte do bem público diretamente proporcional ao volume do imposto que pago. Da minha prosperidade nasce meu bairro, minha rua, meu pedaço em um condomínio de luxo. O suor do meu trabalho sem laços, sem o outro que não atingiu a faixa de chegada. Não o vejo. E, por isso o dispenso do asfalto que transporta a minha paz solitária. Os pássaros, se existem, estão confinados. 

Ou, quando a TV preenche minha sala vazia com o desespero de homens atirados ao mar. Arriscando-se como pássaros em busca de pequenas sobras. Amotoados nas fronteiras, contidos por cercas erguidas pelos prósperos que aprenderam a distorcer o olhar. Se não são vistos, não existem. Pássaros sem a liberdade do pouso aqui e ali. Ou, sem um ninho para retorno quando o inverno bater. 

A tarde é de verão. O verão que me tortura por longos meses sem nuvens. Lá fora, a rua arde e me afugenta da procura inútil por rostos vivos colorindo a grama das praças. No exílio que me imponho, a memória desperta o som de outros pássaros. Encontro-os. Não tenho o domínio do cantar melodioso dos que se postam diante de mim, por certo. Porém, canto. Seguirei cantando, entre rimas duvidosas, o desejo de tardes ensolaradas seguidas de chuva. E, do bater de asas que provoca olhos por trás das lentes, e revela um lampejo de certeza: o destino comum. Quem sabe, qualquer dia desses, nossos olhares voltam a se cruzar. 


[1] Ej moped - Proibido ciclomotor (tradução do sueco por Google Translator)

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