segunda-feira, 12 de outubro de 2015

Cartas da Itália: Santa Margherita Ligure



estação, por Sergia A.


"Poderia falar de quantos degraus são feitas as ruas em forma de escada, da
circunferência dos arcos dos pórticos, de quais lâminas de zinco são recobertos os
tetos; mas sei que seria o mesmo que não dizer nada. A cidade não é feita disso, mas
das relações entre as medidas de seu espaço e os acontecimentos do passado."


(personagem de Italo Calvino em Cidades Invisíveis, tradução de Diogo Mainardi)


Santa Margherita, 27/09/2015


Querida L.


Encontrei um local de remessas postais como antigamente. Comprei cartões, e prometo que vou enviá-los. No entanto, vou continuar te escrevendo por aqui sempre que algo me toque a alma e consiga ser traduzido por palavras. Adorei ver vocês três juntinhas nas fotos. Pena que eu não estivesse aí para abraçá-las e ser um rosto a mais no cantinho que sobra.

Desde que decidimos que seria mais cômodo largar o carro em Milão, minha vida tem sido um sobe e desce de trens e mais correria pelas estações, com folgas de poucos dias nos lugares que queremos ficar. Santa Margherita é um deles. As cores, as águas, os passeios pela encosta, e os cheiros exalados pelas cozinhas me encantam. Embora seus desníveis sejam cruéis para pernas sem o hábito das ladeiras. Mas, como bem dizem as palavras que me guiam, não é só isso que faz uma cidade. 



encosta, por Sergia A.


Imagina ser recebida por Colombo e Petrarca! Tu hás de pensar que me confundo. Sim, Colombo é genovês. Mas, Gênova fica logo ali. Ainda ontem estive no porto antigo experimentando o legado instigante de sua memória. Ele também estava lá, bem mais imponente. Portugueses aprenderam com genoveses a atirar-se ao mar, dizem por aqui. Não duvido e nem é meu desejo discutir vaidades heróicas, pois estou cada vez mais convencida de que nenhum conhecimento surge do nada. Em tudo que realizamos há sempre uma dívida com algo que nos antecedeu. Mas o que me veio à mente, ao contemplar os monumentos, é que a nossa história, como dizem os teus livros, começa com ele. E por mais que eu tente me distanciar desta visão colonialista do mundo, ela mexe com meus afetos. É assim que vejo com certa simpatia a sua persistência na descoberta de novos caminhos. O bom e o mau que nos rodeiam são, de fato, resultantes desta invasão, da miscigenação de seres e culturas.


mármore sobre o muro, por M.A.


Petrarca, por sua vez, aqui também não nasceu. Mas, está presente por citar Portofino em seu poema épico Africa (Portofino é a outra ponta da encosta que dá beleza e forma a esta baía). Um poeta viajante, adorava cartas, e colecionava manuscritos antigos. Como se isso não fosse suficiente para me ganhar, devemos a ele a forma do soneto e as primeiras ideias humanistas que levaram à Renascença. Fé, razão, conflito e mudança são temas que o afligiam, dizem os estudiosos da sua obra. Temas que se repetem pelo tempo e batem diariamente à nossa porta, de forma especial neste momento em que somente uma grande mudança no relacionamento entre nações nos devolverá a esperança na humanidade.

Acho que por hoje, já te enchi.... Queria mesmo era te abraçar até sufocar esta saudade. (O hotel lembra um castelo medieval, no alto da colina; penso que se estivéssemos juntas imaginaríamos belas histórias antes de dormir).

Beijos, tua

S.

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