quinta-feira, 22 de outubro de 2015

Cartas da Itália: Verona



Essa cidade que não se elimina da cabeça é como uma armadura ou 
um retículo em cujos espaços cada um pode colocar as coisas que 
deseja recordar: nomes de homens ilustres, virtudes, números, 
classificações vegetais e minerais, datas de batalhas,
constelações, partes do discurso. Entre cada noção e cada ponto 
do itinerário pode-se estabelecer uma relação de afinidades ou 
de contrastes que sirva de evocação à memória. 

(personagem de Italo Calvino, in Cidades Invisíveis - trad. Diogo Mainardi)


o rio, por Sergia A.



Verona, 30/09/2015


Querida L.


Alugamos um pequeno apartamento para sentir os ares desta cidade por uns dias. Como em toda escolha, experimentamos o lado bom e o ruim. Carregar malas escadas acima foi a má surpresa da chegada: prédio sem elevador, mama mia! Por outro lado estamos, praticamente, às margens do Adige com duas belas pontes à nossa disposição para alcançar o centro histórico. Na primeira travessia recebi a graça de ser saudada por essa luz, que a câmera ligeira do iPhone tenta captar.


o amor, por Sergia A.


Como na cidade descrita por Marco Polo de Calvino, por aqui também cada um escolhe que relações estabelecerá entre espaço e memória. Muitos apostam no nome de Shakespeare, disputas de poder entre familias, amores belos por serem impossíveis para marcar a lembrança de sua passagem. Deixam seus registros no portal de acesso à residencia da familia cuja lenda inspirou o bardo. Para esses a 'Casa de Julieta' é parada obrigatória. Outros, sua história milenar, invasões, reconstruções, e as formas encontradas nos resquícios da arquitetura romana que a cidade preserva na grande arena e em seus subterrâneos. 


a arena, por Sergia A.


Em mim fica reverberando a força da palavra, na voz de Dante Alighieri que por aqui se exilou, do poeta local Berto Barbarani que saúda os visitantes, ou mesmo na voz do dramaturgo estrangeiro que a cidade se apropria. Mas há ainda, a beleza da arte/design do nosso tempo na 50 edição da MARMOMACC (feira de cultura e negócios de pedras naturais) cujas amostras vou encontrando pelas ruas. Estendê-la além do centro de exposição foi uma sábia decisão dos organizadores. Sorte minha de estar aqui e agora.


a mesa, por Sergia A.


Há de encontrar pouso na minha memória, talvez pelo estranhamento, a mesa de ping pong, e a sutileza de sua rede de caracteres chineses, imaginada pelo arquiteto veronense Giorgio Canale para a mostra. Uma clara referência à última ópera de Giacomo Puccini: 'Turandot' (1926). Inspiraçao poética e musical pronta para instigar ou apenas confundir-se com a pressa de ávidos viajantes que passam por ali sem se dar conta. De algum modo, escuto-a dizer baixinho que em mim se intensificará a crença na capacidade humana de estar entre culturas, aproximando-se nas semelhanças, respeitando-se nas diferenças, em um diálogo que não se finda.


Beijos cheios de saudades!
Tua
S.

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