sábado, 22 de outubro de 2011

Bonito Pra Chover


David Gilmour - Wish You Were Here, 2009
Fonte: YouTube




“So, so you think you can tell
Heaven from hell,
Blue skies from pain
Can you tell a green field
From a cold steel rail?
A smile from a veil?
Do you think you can tell?”
[1]



Quando a temperatura chega aos 40 graus (Celsius), meus delírios são de chuva. Desta vez acho que foram tantos os delírios que outubro enlouqueceu e fez-se água. Acordei na noite passada em meio a trovoadas bem características das tempestades tropicais na Chapada do Corisco. Já não eram apenas as gotas que cantavam na minha janela, eram cântaros que aliviavam nuvens pesadas. Como se diz no lugar onde nasci, onde a água vinda do céu é uma bênção, o dia estava bonito, bonito pra chover. Mas o trabalho me esperava e não havia outra saída senão enfrentar as ruas encharcadas, o trânsito lento e seus motoristas ensandecidos. Nesta cidade, que ama e odeia seu sol intenso, nunca estamos preparados para chuvas. O antídoto: a voz e a guitarra de David Gilmour no som do carro entoando Wish You Were Here (1975).

Embalada pela homenagem ao “Crazy Diamond” e vendo pelo pára-brisa o tempo sem cor, minha memória foi buscar lá no fundo doces e coloridas lembranças. A chuva tem esse poder sobre mim, me deixa vulnerável aos caprichos da memória. 1975 foi um ano em que muitas coisas novas surgiram em uma vida que começava a despertar. A mudança da pequena cidade para a Capital, o nível da escola, o pensar no futuro, o clima abafado e sufocante das ruas asfaltadas, a solidão nas ruas apinhadas de gente desconhecida. Um ano de encontros e despedidas, quando o coração experimentava explosões de alegria e se apertava de saudade e de medo de que a alegria jamais retornasse. David Gilmour, Roger Waters eram uma preciosa novidade presente nas raras festas adolescentes que pude frequentar ou nas fitas cassetes passadas pela irmã que se aventurara pelo mundo. Suas palavras, ultrapassando a barreira da língua, aliadas a solos de guitarra tocavam profundamente minha alma sonhadora.

De volta ao mundo real, depois da chuva e já em casa, corri para minha pasta de imagens digitalizadas para rever outra preciosidade do mesmo ano que recebi de presente de ano novo. Presente de uma doce e alegre companhia daquele ano, que o tempo levou e que agora a tecnologia permite um novo contato. Na imagem dois jovens vestindo seus estilosos jeans dos anos 1970, sentados, um ao lado do outro, na porta de uma casa simples de uma cidade do interior. Na moldura estão harmonizados em suas diferenças marcantes, e eternizados em seu único momento de convivência. Uma fotografia guardada por 36 anos em um lugar distante, que me chega pelos avanços tecnológicos que o mesmo tempo possibilitou. Bendita seja a tecnologia! Bendita seja a Internet! Bendito seja o tempo! Bendita seja a chuva!

Como diz o povo da minha terra o dia estava bonito de chuva, e também de música e de lembranças. Bonito de pessoas, que independente dos rumos que o destino desenhou para suas vidas, deixaram marcas de um tempo feliz que continua rendendo a alegria de escrever para reviver.

(Escrito em 21/10/2011)
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[1] Roger Waters e David Gilmour in Wish You Were Here (Pink Floyd, 1975)

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