quinta-feira, 21 de junho de 2012

A cor de junho



Qui nem jiló (Luiz Gonzaga/Humberto Teixeira)
Show Fé na Festa, Gilberto Gil (2010)
Fonte: YouTube


Junho andava esquisito. Um estranho céu cinza, poeirento, deu pra invadir minha janela nas manhãs. Por pura rabugice, fiquei uns dias maldizendo a volúpia dos construtores. Neste tempo de euforia imobiliária, não se desperdiça um quintal verde nos arredores. De repente, talvez se aliando a minha indignação, o céu  se vestiu de nuvens escuras, e ao sair do trabalho enfrentei ruas alagadas. O tempo está louco, me disseram os mendigos correndo para se abrigar.

Mas nem tudo é assim tão mau. De banho tomado, junho restabeleceu a cor. O céu retomou o azul de pipas, andorinhas e bandeirolas embalando cores. Ah! agora sim. É o junho que aprendi a amar. O junho dos balões coloridos, estrelinhas, e bolo de milho. Junho de paçoca e maria isabel. E de zabumbas, triângulos  e sanfonas despertando notas adormecidas no fundo da alma, fazendo crescer no corpo a vontade de se vestir de flores, fazer trança no cabelo e se permitir ser levado pelo ritmo do baião, do xote, do xaxado e do forró de Seu Luiz.

E numa dessas coincidências que a vida nos impõe de vez em quando, exatamente hoje discutimos em sala de aula o uso do baião Qui nem jiló (1946) como estratégia narrativa no filme Brás Cubas do diretor Júlio Bressane (1985). Uma ousada transcriação da obra de Machado de Assis (1881), que tem na música uma criativa forma de traduzir o discurso irônico do narrador machadiano para a linguagem do cinema.

Foi o suficiente. Os acordes da sanfona, a melodia envolvente, a riqueza poética das palavras simples de  Qui nem jiló me perseguiram pelo resto do dia provocando deliciosas lembranças.  Nesta noite,  que é a mais longa do ano neste hemisfério, ouço pela janela os fogos de artifício, o arrasta-pés sob comandos das quadrilhas e a preparação das fogueiras onde ainda restam quintais...  
Além de poeira e fumaça, pode haver no ar um nítido fundo azul para chitas multicores. E pra saudade, é cantar!  

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