quinta-feira, 2 de maio de 2013

Das desilusões e recomeços


Em escrever eu não tenho nenhuma garantia.
Ao passo que amar, eu posso até a hora de morrer.
Amar não acaba. É como se o mundo estivesse a minha espera.
Eu vou ao encontro do que me espera.

(Clarice Lispector in A descoberta do mundo)

 

 
Ana Teixeira em Colônia/Alemanha


No meio da noite ainda escuto sua voz entrecortada por soluços. Ela derrama sobre mim os seus desencantos. Sou apenas ouvidos para as aflições da sua juventude. Contida, esboço um sorriso diante de sua trágica decisão sobre o amor. Quando o sol se levanta ela parte entusiasmada por novos acenos. Alívio. Ainda não foi dessa vez que se instalou a tal síndrome do coração partido, o nome que a ciência encontrou para justificar o que os poetas já afirmavam há séculos. Habituei-me desde cedo às narrativas das dores profundas das desilusões. Mas, há um ranço de teimosia dentro de mim que não me permite pensar no amor como causa mortis. Gosto de pensá-lo sempre como propulsor de vida. 
 
Isso me vem à mente quando visito o site da artista visual Ana Teixeira. Interessada na subjetividade humana, Ana tem se dedicado à pesquisa da maneira como nos relacionamos ou como tecemos a narrativa de nossas próprias vidas. Em uma de suas intervenções/ações, que se estendeu por sete anos (2005-2012), ela percorreu diversos países para ouvir histórias de amor. Sentava-se em locais públicos a tricotar. Ao seu lado uma cadeira vazia e um cartaz que dizia em língua local: escuto histórias de amor. Como na vida, a intimidade das histórias não é revelada nas exposições, fica secretamente embutida no barulho das ruas, na sonoridade das línguas sobrepostas e na trama do tecido tricotado. Enquanto os narradores seguem com mais leveza os seus destinos, acredita o meu gosto pela vida. O que menos importa é se suas narrativas são alegres ou carregadas de dores.


Fonte: YouTube
 

Ainda em busca de palavras para tecer um argumento, me vem à mente o filme autobiográfico Beginners (2011) - Toda forma de amor na tradução brasileira, que vi um dia desses, por acaso. Nele, o diretor e roteirista americano Mike Mills encontra uma forma de narrar-se, sem pudores, por meio de histórias de amor que se desenrolam paralelamente: a relação de Oliver (alterego do diretor) com seu pai, os quarenta anos de relacionamento dos pais, as dificuldades do relacionamento entre Oliver e Anna, e o novo relacionamento do pai que assume sua homossexualidade aos 75 anos, após a morte da esposa. E tudo isso com ares de comédia. Que o diga o recurso do “mock-didatic voice-over” em que uma fotomontagem quebra, acertadamente, a tensão, a tristeza ou a monotonia da narrativa como que a nos lembrar da carga de subjetividade que alimenta a memória e seus relatos. Ficciona-se as alegrias e dores do real, e elas tomam distância deixando um caminho aberto para o correr de outras vidas.

 
Necrologio dos desiludidos do amor - Carlos D. de Andrade
Fernanda Torres em homenagem feita pelo IMS.
Fonte: YouTube

É na cena final, ao lerem juntos o anúncio que o pai de Oliver havia publicado em um jornal quando procurava um novo amor, que Anna diz a Oliver: “Ele não desistiu”. Aí está o argumento. Mais que a inutilidade das atitudes trágicas diante das desilusões, ironicamente denunciada pelo poeta em um necrológio, talvez seja essa busca infinita em suas diversas formas que encanta a minha teimosia. Como se o mundo estivesse sempre solícito à espera de uma nova narrativa, e a vida correndo ao encontro do que a espera.

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigada pela visita! Volte sempre.