quinta-feira, 20 de junho de 2013

Vivendo um cenário mutante


Porque a minha mão infatigável
procura o interior e o avesso
da aparência
porque o tempo em que vivo
morre de ser ontem
e é urgente inventar
outra maneira de navegar
outro rumo outro pulsar
para dar esperança aos portos
que aguardam pensativos

(Mia Couto in Confidência)
 

Verde em dias brancos,  por Sergia A.

Palavras estão sempre dispostas a dar forma ao pensamento. Ou, a dar sentido ao que se vive. Às vezes é difícil arranjá-las. Em outras elas nos encontram. Perplexidade, por exemplo, parece ser a palavra que se impõe no céu de junho. Jornalistas se dividem entre o enaltecimento do despertar e a condenação dos excessos. Analistas políticos se apressam em costurar argumentos enquanto as velhas raposas se recolhem emudecidas. O país de ontem atraía olhares de cobiça. Hoje revela, sem pudores, a face descontente. Entre uma partida e outra, expõe suas dores. E o tempo segue prenhe de interrogações.

Feliz é o povo que pode vaiar seu presidente, dizia há algumas décadas um ufanista. Na escuridão o medo impôs silêncio e tristeza, confirmando o dito. A esperança venceu o medo, dizia-se quando o sol reapareceu fertilizando números: mais empregos, menos miséria, futebol e olimpíada. Sem rupturas fez-se a aliança: novos rostos sustentando velhas posturas. Não deram ouvidos ao anúncio da revolução semeada entre crianças com computadores nas mãos. E lá estão elas. Seguras de si e do poder de suas conexões. Negam partidos e lideranças de qualquer natureza, canalizando nas ruas e arenas vozes dissonantes. Como dissonante parece ser o tempo do seu viver. Tempo de múltiplas verdades que se refazem a cada instante, a cada edição que eu (individuo) faço da imagem ou palavra que reproduzo no meu modo de significar. Parece não caber em antigas fórmulas a sede de estar que só a transparência pode saciar.

Entre palavras de ordem, estádios, fumaças e ruídos busca-se significados. Vaia. Manifestação de desagrado. Chamamento. Exercício legítimo de uma democracia cujas instituições fecharam-se em si mesmas. Esquecidas da sua razão de existir, vivem um tempo que morre de ser ontem sem a consciência que dá voz ao poema. Que se desperte para outro rumo, outro pulsar, antes que a esperança canse de esperar.

Um comentário:

  1. Recebi por e-mail este comentário. Achei que devia postar como forma de agradecimento. Obrigada, Rosa por suas palavras incentivadoras.


    Achei tocante, tudo que sinto, só que dito de forma poética. Parabéns, sua escrita é linda...

    Mandei um comentário, como não sei se foi direitinho, resolvi mandar mais este recado. Verdade: estamos mesmo diante de algo novo, e a única palavra que dá o tom correto é PERPLEXIDADE.

    Rosa Rocha

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