sexta-feira, 14 de junho de 2013

Nuvens de junho


Sob as luzes da cidade há cor alegre
Há festa e a vida ri sem fim
Nem meu dedo esticado traz um
pouco do gosto
Do doce mel pra mim, pra mim.

Viva o tempo sorridente que me abraça!
Viva o copo de aguardente que me abraça!
Morte ao trabalhador sem valor!


(Gonzaguinha in O trem)



 

 

Junho-abril, por Sergia A.


Junho anda mudo, emburrado como diria uma amiga lá do Sul. E eu que vejo sorrisos em nuvens e ouço com prazer o canto das chuvas devo reconhecer que este céu não se afina com bandeirolas e andorinhas. Esperei pelo milagre até o dia de Santo Antônio. Que nada! mesmo depois das primeiras fogueiras e da noite de simpatias dos que ainda sonham com casamento, elas amanheceram lá. Onde foi parar o meu céu de anil?

Durante os anos das divisórias cinzas, um dos meus refúgios favoritos era abrir as persianas nas manhãs de junho e dar de cara com a revoada de andorinhas sobre o azul recortado pelas torres da Igreja do Amparo. E elas voavam absolutas, sem se dar conta do bem que me faziam. Devolviam, por alguns instantes, a paz que nascia do sossego das ruas, do vento no cabelo, da dança das pipas multicoloridas sobre fundo azul sem o risco dos fios elétricos, da fé no futuro. Sem elas e sem o azul ligo a TV e vejo um céu embaçado nas ruas de São Paulo. Não seria novidade se essa névoa não se originasse da terra, das mãos dos homens. O que fazem estes meninos na rua em franco duelo com as forças do Estado? Seria apenas um refluxo das ondas que banham o velho continente?

Lutam por vinte centavos de Real, revela a certeza das vozes que em meio a fortes ruídos os chamam de vândalos. E, do conforto do meu sofá lembro que desde que consegui me acomodar em um volante todo meu, disse adeus com muita alegria aos ônibus lotados e sem horário que compunham a rede de transporte público. E como eu, fazemos todos. Foi assim que pouco a pouco as ruas ficaram insuportáveis e os hospitais repletos de motociclistas acidentados. Enquanto o velho ônibus apertado e atrasado continua sendo a única opção de quem ainda está no sonho, esticando o dedo pra ver se recolhe um pouco do sabor adocicado do mel.

Vem do planalto um som cristalino. Pede-se que não se perca a esperança. Ok, ela pulsa dentro de mim. Um atraso de séculos não se resolve em pouco mais de uma década, convenhamos. Mas não consigo ouvir o eco dos grandes investimentos e nem o ressoar da discussão dos projetos urbanos de grande porte.

Há mais que um pipocar de fogos e estalos no rumor das ruas. Apuro o ouvido. Escuto ao longe um clamor. Acende-me o desejo de ter de volta o promissor céu de anil que junho parece negar. Recolho as bandeirinhas, por enquanto. Que venha São João e São Pedro, e quem sabe ponho fita no cabelo, esqueço as dores do filho, ensaio um sorriso e dançamos juntos um alegre baião do velho Luis.

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