domingo, 18 de agosto de 2013

Convite ao prazer


Sempre é preciso pedir desculpas para falar de pintura
 
(Paul Valéry in Sobre Corot)


A Santa Inquisição, 1985
Acrílica sobre eucatex

 

Desmonta-se a exposição “Faces de Lizmedeiros” na Casa da Cultura. Por dias a fio procurei em vão nas publicações locais alguma referência mais substanciada sobre a arte que motivara o evento. Nada além das notas superficiais que noticiam o acontecimento e trazem uma curta biografia da artista. Notícias apenas. Como se notifica a morte ou o casamento de alguém importante ou inaugurações de obras públicas por políticos à caça de votos. Discutir arte parece não despertar interesse dos grandes veículos por essas bandas.  

O que é arte? Como a reconhecemos? Questões difíceis de serem respondidas depois do advento do Modernismo, e de forma especial nas últimas décadas em que se intensificou o debate entre os critérios essencialmente estéticos e os critérios que privilegiam o resgate social. Gosto de pensar na autonomia da arte, embora sem desconectá-la do seu contexto afinal nenhum homem é uma ilha, já dizia um grande poeta há muitos séculos. Seja qual for a escolha, a arte será sempre aquilo que nos toca e inquieta ao ponto de nos deixar mudos no instante da fruição. 

Com a pintura não é diferente. O prazer da imagem é um convite. Ou, como dizia Susan Sontag, há nas telas que nos afetam “o prazer de cair para dentro... de um mundo”. Um mundo que não é apenas algo representado, mas “algo como é visto”. Em Faces de Lizmedeiros, seguir os passos montados pela curadoria é se permitir ver a vida sob as lentes da artista em momentos distintos. O ponto de vista que lhe é próprio e caracteriza sua produção multifacetada. É mergulhar na riqueza instigante das faces repetidas em diversas linguagens e fases, ou na beleza nauseante de “Escuridão” e “Sombra”, ou ainda na explosão de cores e detalhes de “O Livro” que se prolonga nas ilustrações para a literatura infantil. É aceitar o desafio de “imaginar o imaginado”. E, guiado por traços que traduzem sentimentos se aventurar no que transcende o exposto na fronteira entre o figurativo e o abstrato.

Carentes de galerias e museus, vivemos nessas ocasiões um prazer furtivo. Tímido, talvez. Como se não tivéssemos direito à saciedade dessa fome. Talvez por isso não ousamos discuti-lo, não nos arriscamos a contagiar o outro com a nossa efusão. Talvez isso acrescente novas razões para o pedido de desculpas por não permanecermos mudos. Há que se verbalizar. Não com a pretensão de dizer o que as obras significam. O visual não se subordina à palavra e nem a arte se reduz a uma única voz. Há, no entanto, que se dar continuidade à contemplação inserindo os outros sentidos.


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