sexta-feira, 29 de novembro de 2013

A distância é azul


Chacun pour soi est reparti
Dans l'tourbillon de la vie
(Cyrus Bassiak, in Le turbillon) 


Aura azul, por Sergia A.

Por ocasião do meu aniversário, recebi mensagens dos mais diversos lugares. Benditas sejam as redes sociais! Além de reaproximar pessoas ainda lhes refrescam a memória (um lembrete de aniversário no Facebook é tudo, convenhamos). E mesmo conscientes disso, ficamos felizes ao receber os cumprimentos. Bom, mas tudo isso é pra dizer que a palavra que me traz hoje aqui veio daí: reaproximação. Ela ficou latejando no meu cérebro, e aí para acalmá-lo me salvam alguns recursos como uma página em branco, por exemplo.

Reaproximar. Tornar próximo novamente. As circunstâncias da vida, ou Le turbillion de la vie, como na canção de Serge Rezvani ou Cyrus Bassiak imortalizada por Jeanne Moreau no filme Jules at Jim de François Truffaut (1962), aproximam pessoas em determinados momentos de suas vidas e as afastam, de repente, sem a menor cerimônia. Mas, eis que surge o mágico poder da tecnologia. E já não importa quantos quilômetros nos separam. Estamos a uma tela do outro. Ficamos mais próximos? Ou não passamos de estranhos tentando parecer amáveis e generosos? Ou, será que apenas alimentamos ferramentas que nos ajudam a tirar proveito da distância física que tudo envolve em uma aura azul?

A página, por Sergia A.

Pois bem, o que me vem à cabeça neste momento é um livro que li há muito tempo. Muito antes do sucesso da tradução pro cinema por Martin Scorsese (1993) que nos ofereceu um drama de época apaixonante. Daniel Day-Lewis e Michelle Pfeiffer, lindos e perfeitos, embora não fosse isso a razão dos meus suspiros. O que me intrigava, e continua intrigando, é o agir dessas circunstâncias capaz de nos distanciar daquilo que poderia ser a razão maior de nossa existência. E não falo apenas do argumento romântico utilizado pela autora/diretor, apesar de reconhecer sua importância. Mas também de outros afetos e aspectos como a profissão, por exemplo, para a qual dedicamos no mínimo um terço de nossas vidas.

Foi assim que li o destino desenhado por Edith Wharton para Newland Archer e Ellen Olenska  na Nova York do fim do século XIX e inicio do século XX (The Age of Innocence, 1920). E o interessante é observar  que tanto tempo e avanços depois, como na ficção, o individual e o social continuam duelando ardorasamente. Continuamos criando convenções que nos desviam dos caminhos que poderiam ser naturais. Afinal, precisamos ganhar o mundo, construir uma vida, manter o status, e pra isso temos que ser realistas e racionais. Paixão e riscos podem até fazer parte, mas precisam estar bem equacionados. E é aí que a distância nos salva.

Há um trecho do último capítulo do livro que a versão cinematográfica traduz com extrema delicadeza e me emociona sempre. É a cena final do filme. Quando o protagonista, a um passo de reaproximar-se do objeto dos seus sonhos e renúncia, simplesmente desiste para não dissolver a etérea atmosfera azul que reveste pontos distantes.  Aqueles, cujos detalhes nosso olhar não alcança com nitidez. 

Fonte: YouTube

A lembrança me provoca uma necessidade urgente do exercício de tradução. Outra fórmula mágica para apaziguar a mente:
Archer had not seen M.Rivière, or heard of him, for nearly thirty years; and that fact gave the mesure of his ignorance of Madame Olenska`s existence. More than half a lifetime divided them, and she had spent the long interval among people he did not know, in a society he but faintly guessed at, in conditions he would never wholly understand. During that time he had been living with his youthful memory of her; but she had doubtless had other and more tangible companionship. Perhaps she too had kept her memory of him as something apart; but if she had, it must have been like a relic in a small dim chapel, where there was not a time to pray every day... (...)

“Go my boy; perhaps I shall follow you”
Dallas gave him a long look through the twilight.
“But what on earth shall I say?”
“My dear fellow, don’t you always know what to say?” his father rejoined with a smile.
“Very well. I shall say you’re old-fashioned, and prefer walking up the five flights because you don’t like lifts.”
His father smiled again. “Say I’m old-fashioned: that’s enough.”
He thought she would be sitting in a sofa-corner near the fire, with azaleas banked behind her on a table.
“It’s more real to me here than if I went up,” he suddenly heard himself say; and the fear lest that last shadow of reality should lose its edge kept him rooted to his seat as the minutes succeeded each other.

 
(WHARTON, E. The Age of Innocence, p. 362-364)

 ***
Archer não tinha visto M. Rivère, ou ouvido falar sobre ele, por aproximadamente trinta anos; e esse fato dava a medida de sua ignorância sobre a vida de Madame Olenska. Mais que a metade de uma vida os dividia, e ela passara esse longo intervalo entre pessoas que ele não conhecia, em uma sociedade sobre a qual ele tinha vaga conjeturas, em condições em que ele nunca entenderia completamente. Durante todo esse tempo ele tinha vivido com a memória de sua juventude. Mas ela, sem dúvida, tinha tido outras companhias mais reais. Talvez, ela também tivesse mantido suas lembranças dele em algum canto aparte. No entanto, se ela manteve, essas lembranças eram como uma relíquia em um pequeno e obscuro santuário, onde não havia tempo para orar todos os dias... (...)
 “Vá, meu filho. Talvez eu o siga.”
Dallas lhe deu uma longa olhada sob a luz do crepúsculo.
“mas o que nesse mundo posso eu dizer?”
“Meu querido menino, você não sabe sempre o que dizer?” Seu pai replicou com um sorriso.
“Tudo bem. Eu vou dizer que você é uma pessoa à moda antiga e prefere subir cinco lances de escadas porque não gosta de elevadores.”
Seu pai sorriu novamente. “Diga que sou alguém à moda antiga: isto é suficiente.”
Ele imaginou que ela poderia estar sentada em um canto do sofá, perto da lareira, com azaleas dispostas em uma mesa atrás dela.
“Para mim, isto é mais real aqui do que se eu tivesse subido,” de repente ele ouviu sua voz dizendo para si mesmo; e o medo de que aquela última realidade imaginária pudesse se dissolver o manteve quieto em seu banco, enquanto os minutos se sucediam, um após o outro.

(Tradução: Sergia A.)


Fonte: YouTube

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