sábado, 25 de janeiro de 2014

Do risco de submergir


a água
          surgiu tardia no universo
          quando o furor
          inicial
          da matéria se aplacou
          e deu vez
a coisas mais sutis
que apareceram
            como os tecidos vivos
                     as lentes de nossos olhos
                     os sonhos e os pensamentos
            que em última instância 
            da água nasceram

(Ferreira Gullar in A Água, Em alguma parte alguma p.85)

Caminho azul, por Sergia A.


Desejo. Vejo-o de cima antes do salto. O azul me envolve. Sinto uma vontade infantil de me benzer para quebrar o gelo e mandar embora a dor. Rio de mim mesma na solidão da minha raia. Sou fisgada pelo azul. Dou ao ar a liberdade de penetrar os meus pulmões. Mergulho. Entregue à sua fluidez deixo-me abraçar sem restrições. Gravidade controlada pelo volume que desloco vencendo sua resistência natural. O azul ocupa cada milímetro do meu corpo flutuante. Concentração e movimento. Eu comigo na travessia do mundo.

Pressão. Força líquida sobre a solidez do meu corpo. Matéria. Reação. Reconhecimento. Venho da água. A vida vem da água. A vida me retorna pela água. Pensamentos ocupando espaços entre o mergulho e a respiração. Fundo azul que não alcanço. Lanço-me em outros mundos ao ritmo inalterado das minhas pernas. Elas me conduzem por um caminho azul. Consciência corporal. Abraço o vazio em que nada falta. Vazio, completo. Eu comigo e todo o sentimento do mundo.

Regozijo. Aquece a alma alimentada de azul profundo. Memória. O azul dos olhos que absorvem minha infância. Outras lentes sobre braços em movimento. Alongamento. Cabeça erguida para o azul que do infinito transborda sobre mim. Distância. Aqui ao meu redor um oceano. Ressurge o equilíbrio em movimento. Trânsito submerso. Confesso. Da leveza do meu corpo nascem sonhos atemporais. Eu comigo e toda a serenidade do mundo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigada pela visita! Volte sempre.