terça-feira, 23 de dezembro de 2014

A paisagem e o alento



Uma pequena ponte, uma lâmpada, um punho,
uma carta que segue, um bom dia que chega,
hoje, amanhã, ainda, a vida continua,
no silêncio, nas ruas, nos quartos, dia a dia,
nas mãos que se dão, nos punhos torturados,
nas frontes que persistem,
nós somos,
existimos.


António Ramos Rosa, in Nós somos (Sobre o Rosto da Terra, 1961)


A água, por Sergia A.



A água espirra sobre o meu rosto. Desperta-me. Crianças em correria em um parque aquático. É dezembro. É verão. Aproxima-se a data maior para aqueles que se dizem cristãos. Os sotaques. As aparências diversas. Observo-os com atenção. Uma camiseta de identificação os distingue. Minha pequena companhia se anima com a alegria que deles emana. Tenta uma aproximação. Diverte-se. Divertem-se. Ali, unidos pela água como se fossem irmãos. Converso por alguns segundos com o jovem monitor que os acompanha. Despedem-se. Há muito o que percorrer até o fim do dia. Deixam comigo um alento à minha teimosa esperança.


As pessoas conheciam o seu lugar, diz-se de outro tempo que corria por ali, livremente, para os que podiam usufruir de uma felicidade compartimentada. Os outros nas esquinas, nos semáforos, nos cantos esquecidos das cidades. Reconhecendo o seu não direito garantido pela vontade divina. Despertando, de longe, olhares de piedade. Desse tempo, lembro de nossa origem causando espanto em um distante inverno. Um passeio turístico. Uma senhora de casaco de pele atraída pela sonoridade da língua materna, que nos toca quando estamos lá fora. Teresina, na Bahia? perguntou sem cerimônia. Um sorriso. Uma aula de geografia que piauienses sabem de cor. Deixou comigo a certeza de um longo caminho.

Como parte das mensagens de natal recebo um alerta. Detentos com bom comportamento terão o Indulto de Natal. Soltos nas ruas. Nunca se sabe! Ah! Esses defensores de direitos humanos! Fechemos nossas portas! Ah a lógica do pensamento cristão que desconhece a compaixão! As palavras que ouvi de um jovem recuperado latejando na minha mente. Abandonado pela sorte, pelos homens ou pelos deuses, um dia vira na marginalidade uma resposta à necessidade de encontrar uma referência de felicidade. Agora as lágrimas lhe desciam do rosto quando apresentava o seu novo projeto de felicidade. Deixou comigo o brilho dos seus olhos. 

Esperança! Esperança, sempre! Que o bem seja a referência, aos que não foi dada a oportunidade de conhecê-lo! Como também, aos que o conhecendo há muito esqueceram da razão primeira que deu origem à celebração desta data.

FELIZ NATAL!

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