terça-feira, 30 de dezembro de 2014

O ano vai morrer aberto em mim


Sou um sujeito cheio de recantos.
Os desvãos me constam.
Tem hora leio avencas.
Tem hora, Proust.
Ouço aves e beethovens.
Gosto de Bola-Sete e Charles Chaplin.

O dia vai morrer aberto em mim.

(Manoel de Barros in Livro sobre nada p.31)


janela para julho, por Sergia A.


Foi um bom ano. Palavras que se apresentaram nas redes sociais nos últimos dias. Com algumas alternâncias de adjetivos, nunca contraditórios. Então me peguei pensando sobre os dias que 2014 levou, sem os traços impositivos das mídias que nos guiam. Para não ceder ao meu jeito otimista de ser, precisei listar de um lado os que acordaram tortos e um tanto acinzentados, e de outro os que me pareceram retos, imponentes e positivos. Racionalmente separados. Um balanço. Examinei-o. Que coisa sem poesia! Sacudi, virei tudo de cabeça para baixo só para desregular.


Desregulado, o ano virou um caldeirão efervescente. Enquanto a família aumentava, alguns projetos saíram, tardiamente, do plano dos sonhos. Deram os primeiros passos e o presente abre uma fresta ao vento futuro. Enquanto as nossas diferenças saltavam do armário e desfilavam pelas ruas, avivava-se a consciência das escolhas que intuitivamente fazemos. Dos debates necessários. Dos caminhos escuros que precisam ser iluminados. Enquanto as tardes adormeciam ensopadas de suor, outros climas foram visitados. Cada um deles arranhou a minha pele para que se cravassem as marcas. Enquanto alguns mestres tiveram suas mãos enrijecidas pelo destino implacável, outros moços me afagaram a alma com seu cantar liberto. 

Na fervura borbulham as palavras, tentando um encadeamento no vapor dos dias. Os dias aprendendo com elas a variar o humor. Meu olhar carregando-os de cores e significados. O poeta, que nos disse adeus, permanece aqui me ensinando a ver. Talvez, por isso a minha recusa em aprisionar o ano em um adjetivo. 2014 morre daqui a algumas horas, em seu processo natural, mas continuará aberto em mim para que outros dias silenciosos, ou entorpecidos de palavras, possam nascer. E, como diria o tal poeta falando de bênçãos: eu só queria agradecer.


FELIZ ANO NOVO!

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