A substância do pensamento

Essas duas formas de pensar, uma do tempo e da

história, outra atemporal e eterna, são partes do esforço

do homem de compreender o mundo em que vive.

(J. Robert Oppenheimer in Science and the Common Understanding

citado por Marcelo Gleiser in A Ilha do Conhecimento p.285)

O arco e a torre, por Sergia A.

Fui ao seu encontro. Ela me chama sempre que preciso. Lê minha alma. E antes que uma palavra se articule, ela me olha nos olhos e diz: ninguém disse que seria assim de mão beijada, como se dizia no lugar onde nasci. Nada cai do céu. E a chuva que escorre no meu telhado? Provoco. Antes dela, formam-se nuvens que não suportam o próprio peso, responde com suavidade e convicção. Adoro ouvi-la. Mistérios de um pensamento que se forjou na labuta de anos. Invejo a sua serenidade. 

Vibrações etéreas ocupando o espaço e o tempo que nos separam. Quando um homem se descobriu mais valioso que o outro? O punhado de terra escoando entre seus dedos. Como o homem se descobriu escolhido para ser dono de um pedaço do chão? A água cristalina aplacando a minha sede repentina. Como um homem convenceu a si mesmo ser possuidor do destino do outro? O trançado do meu cabelo ficando pronto, firme e brilhante na imagem do espelho que ela ergue para mim. Quando cessam as questões, sinto falta dos seus dedos massageando pontos certos da minha cabeça. A risada fechando frases ditas ao vento. Desconexas naquele instante. A conexão me chegando tempos depois em uma praça medieval. 

As armas são novas, mas o combate ainda pode ser mortal, ela repete antes de se despedir. Encontro o sentido da sua voz quando minha lente encontra a torre recortando o azul. Os corpos ainda ardem sobre as pedras, enquanto sentamos à sua sombra para uma taça de vinho. Sim estamos distantes. Sim somos incapazes de enxergar além das verdades que nos habitam. Resistimos em admitir que o conhecido é mínimo diante do desconhecido que nos cerca. Um longo caminho se estende diante de nós no momento da escolha de uma realidade possível.