sábado, 4 de abril de 2015

Páscoas


As pontes têm que ser refeitas
e também as estações
De tanto arregaça-las, 
as mangas ficarão em farrapos.
(...)

Na relva que cobriu
as causas e os efeitos
alguém deve se deitar
com um capim entre os dentes 
e namorar as nuvens

(Wislawa Szmborska, in Fim e começo – Poemas p. 92/93
tradução de Regina Przybycien)


embalagem recortada (CartonDruck para Natura - Pomar de cítricos)


A cozinha de laterais abertas tinha cheiro de limão e flor de laranjeira. Árvores espinhentas abusando do verde que se derramava sobre o alpendre. Peitoril largo alongando a preguiçosa espera. O café na caneca de ágata. A goma fresca a tapioca. O fogão à lenha. O fogo que não se apagava. Mulheres empunhando a dança das mãos-de-pilão alucinadas, para meu deleite. 

Citrus. O corte o cheiro. A acidez intensificando os sabores. O peixe a batata doce. A água barrenta do riacho que fazia curva e se quebrava sobre os lajedos do fundo do quintal. O prazer proibido pelo roxo que encobria a imagem. A fogueira. O sacrifício do cordeiro. A noite chuvosa encompridando histórias de reinos distantes. 

Os raios tímidos retornando ao pomar depois da tempestade. A brisa fresca arranhando minha pele, enquanto os olhos namoravam as nuvens. O sino da capela, repicando a alegria do domingo, nada me dizia do tudo que hoje me dizem as reminiscências. Essa esperança boba de que tudo pode recomeçar. Talvez, de algum modo, a culpa seja do mesmo Cristo.


(para avó Antonia, que não gostava de ser chamada de vó, mas plantava limão enquanto sobrevivia às tempestades)

2 comentários:

  1. Sigo o cheiro do sumo do limão para ler sua crônica que bem fala dos sulcos da memória. Por ela reencontro o vento piauiense. Citrus. Crônica cheirosa, Sergia.

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    1. Obrigada, Assunção! Fico feliz por esse reencontro... Benditas sejam as palavras!!!

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