sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Da Série O Laboratório: Nada é para Sempre


Já se foi o quinto mês do primeiro ano da segunda parte...

 

Recortes da Memória,   por Sergia A.


Uma data simbólica. Passada a ressaca do Réveillon, é hora de desmontar a árvore de natal e retomar a vida que se entrega a um novo ciclo. Laços dourados desfeitos, fios do pisca-pisca de volta à embalagem, peças de decoração acumuladas durantes anos, reformadas aqui e ali, retomam seu lugar no canto mais alto do armário. Uma angústia repentina tenta sufocar o peito ao pensar o significado desse ritual cíclico. Talvez por isso, para escrever este texto eu tenha me apropriado do título da tradução brasileira do filme A River Runs Through It (1992), que apesar de não ter nenhuma relação com o título original e não fazer justiça com a premiada imagem poética que Robert Redford criou para seu personagem principal (o rio), me ajudou a despertar para essa realidade difícil de ser absorvida quando vivemos a ilusão de ter a posse sobre coisas ou pessoas.

Mas não é o filme que hoje afasta minhas palavras do trilho, embora, a narrativa que ora me toca também seja uma lembrança antiga. De quando, por pura curiosidade, visitava Dostoiévski nas estantes empoeiradas, ainda sem noção da grandiosidade de sua obra. Apenas lia e guardava na memória a estranheza. Desmontar a árvore me fez lembrar um dos contos do primeiro volume das Obras Completas: Uma Árvore de Natal e um Casamento[1], escrito em 1848. Exatamente o trecho em que as crianças, sob o olhar indiferente dos adultos, “despojavam a árvore de natal de todos os seus enfeites” em busca dos presentes que nem sabiam serem seus.

Na trama, o narrador ao assistir a um casamento recorda uma festa de Natal que presenciara cinco anos antes. Com um discurso irônico, vai construindo com leveza a imagem de uma sociedade onde tudo parecia estar à venda, e o valor das pessoas era diretamente proporcional à quantidade de rublos ostentados. A noiva e seu dote foram presentes ofertados naquele Natal. Qualquer semelhança com o brilho natalino das vitrines dos shopping centers não é mera coincidência. Basta trocar o século e a moeda.

No entanto, talvez porque a minha angústia seja otimista por natureza e acredite na evolução dos homens, me vem um incômodo com essa amarga visão da natureza humana. Sou do tipo que ainda acredita no encontro de corações, nas relações fundamentadas na solidariedade, e que nas confraternizações mais vale o estar juntos. Nesse dezembro, tive a oportunidade de ser “ajudante de Papai Noel” de uma creche da periferia mantida pela ONG dos funcionários do Banco. A criança recebeu o sonho materializado, eu recebi um abraço sincero e espontâneo, um olhar brilhante, um belo sorriso que continua afagando a minha alma e mantendo o meu otimismo na hora de desmontar a árvore.

Volto ao filme, pois foram os anos 1990, com a desmontagem dos bancos públicos brasileiros ameaçando meu sonho cor de rosa, que me ensinaram, a duras penas, que nada é para sempre. Nem o bem e nem o mal. Acordei no novo milênio com a certeza de que o material pode se esvair e ser levado pelo vento. Sentimentos e relações verdadeiras também chegam ao fim ou se transformam, mas essas deixam, no mínimo, o conforto de doces lembranças.

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[1] DOSTOIÉVSKI, Fiodor M. Obra Completa – Volume I. Tradução de Natália Nunes, 1963.

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