"...and in their grey and white curve a world was reflected" *
E um ano se passou sem que eu me desse conta da real intensidade dos seus dias...
Apesar de nomeá-lo como o primeiro da segunda parte, o havia imaginado como tempo de preparação. Agora o vendo já como um tempo passado, o sinto como um tempo de iniciação, com toda a alternância de dúvidas e euforia, mas solidamente edificado pela fragilidade das minhas mãos.
Engraçado é que o que me vem à mente nesta data comemorativa, talvez ainda em conseqüência do excesso de estímulos a que me submeti no último mês, é o filme Girl With a Pearl Earring (2003), Moça com Brinco de Pérola na tradução brasileira:
Vitrines no alto, por Sergia A.
Não, não deslizei pelos canais de Delft nem me encantei com a beleza azul e branca de suas cerâmicas. Tampouco tive a oportunidade de visitar o Mauristhuis Museum em Haia, pra ver a famosa obra de Johannes Vermeer. Mas, meus pés sentiram, ligeiramente, o gostinho de um passeio matinal entre cores, recortes e detalhes remanescente do seu tempo, no semicírculo central de Amsterdam. Nesse clima não há como fugir das conexões.
Havia lido o livro um pouco antes do lançamento do filme. Impressionara-me a veia criativa da escritora americana Tracy Chevalier (1999), ao imaginar histórias do mundo doméstico de certa forma retratado por Vermeer em sua arte. Inteiramente arquitetado sob o ponto de vista de Griet (a criada que supostamente serve de modelo para o quadro), o livro direciona sua narrativa para a delicadeza da relação entre o artista e a modelo/ajudante do ateliê, que brota da afinidade crescente moldada no amor à pintura, na compreensão natural de sua técnica e na dedicação ao oficio de produzi-la.
A tradução de Peter Webber (2003) para o cinema parece captar essa delicadeza em uma bela reconstrução de época observada nos detalhes da luz, do figurino, da mise-en-scène, e da performance de seus atores. Sem prender-se ao ponto de vista da personagem principal imposto pela narrativa literária, e fiel aos recursos de sua arte, uma câmera múltipla nos remete à sociedade, aos costumes e ao mercado de arte da Holanda do século XVII mesmo estando, na maior parte das cenas, centrada no privilegiado ambiente doméstico. Como a luz das janelas controladas por Griet para iluminar o campo de visão do seu mestre, nos conduz em uma viagem pelos sentidos.
A personagem ilumina, ilumina-se e na sombra se desliga. Segue. Não há julgamento sobre as escolhas do passado. Marcas profundas permanecerão, metaforicamente simbolizadas no filme pelo furo na orelha onde se pôs o brinco. Uma pérola a reluzir. Na sua curva branca e cinza o tempo vivido, talvez sem que se desse conta de sua intensidade, estará sempre refletido. Qualquer semelhança, mera coincidência. Desligo.
Girl With a Pearl Earring, por Peter Webber
Fonte: YouTube
Fonte: YouTube
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"... e na sua curva cinza e branca um mundo se refletiu" (Griet, personagem de Tracy Chevalier, em Girl With a Pearl Earring, p.246)
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