segunda-feira, 20 de agosto de 2012

O Belo e o Incômodo



O filme serve para exercitar o homem nas novas percepções
e reações exigidas por um aparelho técnico cujo papel cresce
cada vez mais em sua vida cotidiana.
Fazer do gigantesco aparelho técnico do nosso tempo
o objeto das inervações humanas – é essa a tarefa
história cuja realização dá ao cinema o seu verdadeiro sentido.
(Walter Benjamim, in Magia e Técnica, Arte e Política –
Trad. Sergio P. Rouanet, p. 174)

Gefion e seus filhos,  por Sergia A.

Filmes de entretenimento. Filmes hollywoodianos. Filmes comerciais.
O que mais? Como denominar a produção cultural que parece dominar o imaginário coletivo mundial e se reproduz como praga?
Mas, convenhamos, quem resiste a uma adocicada comédia romântica? Ou às fórmulas imutáveis e os efeitos especiais dos filmes de ação? Eles conhecem bem nossos anseios ou, quem sabe, somos produtos dessa indústria, desenvolvidos para consumi-la.
Todavia não fomos completamente vencidos. Teimosamente surgem de vez em quando, alguns heróis, rebeldes, revolucionários prontos a nos redimir. Foi assim na década de 1920 com o Expressionismo alemão ou, na década de 1950 com Neo-realismo italiano ou, nos anos 1960 com a Nouvelle Vague na França e o Cinema Novo no Brasil. Ou, ainda, mais recentemente, com o Dogma95 na Dinamarca.

Tudo isso me vem à mente quando, encoberto pelas brumas do mar báltico, o continente se afasta sob o meu olhar embevecido. Tais pensamentos se intensificam quando as estradas cortam planícies de lagos e velas infinitas ou, ainda, quando cruzo ruas de fachadas coloridas cujos letreiros desafiam minha lógica de leitura silábica consoante/vogal.
O engraçado é que, mais do que as lendas da mitologia nórdica (tenho certo fascínio por runas) ou os contos de Hans Christian Andersen (A Rainha da Neve, era imbatível), o que alimenta os meus delírios neste instante é o cinema de Lars von Trier e Thomas Vinterberg, responsáveis, junto com outros dois diretores, pelo toque revolucionário na cinematografia, no ano em que o cinema completava um século de existência.

Com dez regras delimitadoras da experimentação, um filme com certificado Dogma95, tirava proveito do avanço tecnológico (câmera digital) para impulsionar uma nova proposta estética, retirando por completo a aura da câmera 35mm e dos orçamentos milionários do capital cinematográfico que transforma o cinema em entretenimento apenas. Mais do que efeitos e artifícios, valorizava-se a narrativa e a simplicidade de sua construção. Filmes austeros e sem ostentação, como parece ser a filosofia de vida do povo dinamarquês. Um grito de independência e um ponto para a democratização do acesso à produção cultural, que assim pode se voltar para suas verdades.

Confesso que ver o cultuado Festen (1998), dirigido por Vinterberg (Festa de Familia, na tradução brasileira), causou estranheza. Não apenas por cenas tremidas ou desfocadas pelo uso da câmera de mão, mas, pelo incômodo gerado pela densidade da narrativa. Dramas familiares intensos, marcados por cortes abruptos, jogados na tela como se estivessem acontecendo no quarto ao lado. Um tema que certamente nos remete a outros filmes, à clássicos da literatura, ao teatro, no entanto inova na linguagem. Percebe-se de imediato o casamento perfeito entre forma e conteúdo, tema e técnica utilizada. A imperfeição proposital da fotografia em determinados momentos talvez nos distancie da contemplação do belo, como a vida o faz em seus tempos mortos.

Tudo se transforma. Dez anos depois o movimento já não existia. Polêmico, Lars von Trier se reinventa e faz belos filmes como Dogville (2003) ou Melancholia (2011) que de certa forma contradizem os seus “Votos de Castidade”, embora sejam experimentais e mantenham distância dos filmes de entretenimento. Fica a inquietação de uma época reverberando em novos movimentos, enquanto o belo me provoca nas ruas e museus.

Escrito em 08/07/2012

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