sábado, 8 de setembro de 2012

Instante

Todos os dias quando acordo
Não tenho mais
o tempo que passou
mas tenho muito tempo
Temos todo o tempo do mundo


(Renato Russo in Tempo Perdido)


Passado presente,  por Sergia A.
 

Abro os olhos e o momento se foi. Fecho os olhos e estou novamente na estrada que corta uma paisagem de rara beleza. Pontes, torres, braços de mar, barcos, lagos, velas. Cenários de sonho ou realidade momentânea. O sol que insiste em resumir a noite em poucas horas me faz perder a noção do tempo. E ele continua aqui, impávido, pairando sobre mim.

Ainda me custa acreditar que meus pés tocaram terras tão distantes, que meus olhos se inundaram da mesma luz que inspirou o jogo de sonho, imaginação e realidade de Ingmar Bergman, em Morangos Silvestres (1957). Não, não visitei a universidade de Lund. Como no filme, o meu sonho/realidade não durou mais que um dia. Geograficamente meu caminho foi inverso ao do Professor Isak. Mas de alguma forma, a caminho de Estocolmo, o deslocamento foi físico e mental, o improviso no roteiro e o novo me provocaram deslumbramento e inevitáveis reflexões sobre o desenrolar do tempo.

Antes da viagem, tinha visto o filme, graças ao lançamento recente em DVD como parte da coleção Folha Cine Europeu, publicação do jornal Folha de São Paulo. A partir da década de 1950 o cinema sueco, que tinha perdido prestígio com o fim do cinema mudo (a língua restringia o seu alcance), retoma toda a sua grandiosidade. O preto e branco da fotografia causou-me forte impressão, ao indicar na mudança de planos, sutilmente, a interposição de tempos que a maestria de Bergman trazia como inovação.  Lembro de ter lido no livreto que acompanha o DVD que Godard disse, certa vez, que Bergman é o cineasta do instante, considerando que seus filmes tem como ponto de partida uma reflexão da personagem em um tempo presente, que se aprofunda intensamente por meio de um deslocamento no tempo. De fato, é esta reflexão individual, que permite o mergulho profundo na alma humana com registro de suas dores, seus afetos, seus mistérios, seus dramas, fortalecendo o caráter universal da sua arte.

Dois meses depois, pisando agora o chão de Renato e ouvindo as dores de sua geração, fecho os olhos novamente, e como no filme me pergunto: na memória, detentora de todo o tempo do mundo, o que é fato, sonho ou imaginação?

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