segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Pensamentos bobos às vésperas do Carnaval


Se acaso meu bloco
Encontrar o seu,
Não tem problema,
Ninguém morreu.
São três dias de folia e brincadeira,
Você pra lá e eu pra cá,
Até quarta feira.

(Marchinha de carnaval Até Quarta-feira)


O amarelo e o lilás, por Sergia A.



Um dia desses uma amiga me disse que o primeiro grande impacto percebido depois da separação foi a quantidade de tempo que sobrou pra ela. Assim mesmo, "sobrou", porque em um relacionamento o cuidar de si mesmo parece se submeter sempre ao tempo dos dois. Meses depois outra amiga, entusiasmada por organizar sua nova vida a dois, se desculpou pela falta de tempo, dizendo que quando tivesse o seu tempo privado de volta... E eu pensei, mas não tive coragem de dizer, que ela esquecesse essa história de tempo privado. É natural. Um projeto a dois tende a absorver todo o tempo do um.

Aí, chegam aquelas ideias bobas chacoalhando o pensamento, embaladas por uma antiga marchinha de carnaval. Do tempo em que o compromisso de namoro era suspenso por três dias para preservar a individualidade nos dias de folia. Na quarta-feira, quando se desfazem as fantasias, tudo pode retomar o seu lugar. Afinal, na dura realidade das manhãs, a maioria das pessoas acredita ser apenas uma metade. O complemento está no outro, que precisa ser encontrado. O Mito do Andrógino explica bem essa busca por plenitude. Andróginos eram seres completos, parte homem parte mulher. Sua felicidade atraiu a fúria de Zeus que os cortou ao meio. Incompletos são condenados a procurar eternamente a totalidade perdida. 


Então, o sintoma mais forte do encontro é a necessidade de ocupar o mesmo espaço. A mesma casa, o mesmo quarto, a mesma cama, o mesmo banheiro, o mesmo guarda-chuva, o mesmo perfil no Facebook... Como se o indivíduo não mais existisse. Dois em um. Bom, mas é certo que biologicamente somos únicos. Desde que reconheço minha imagem no espelho, sou um eu. O outro é outro eu. Não é assim? Enquanto meus olhos veem um mundo, os olhos do outro veem outro mundo no mundo que vejo. Gosto do meu banheiro com a tampa do vaso sempre fechada. O outro insiste em deixar aberta. Não aperto o tubo da pasta de dentes no meio. O outro acha isso uma bobagem. Tento recuperar um pouco do meu eu lendo na solidão do banheiro. O outro bate na porta porque está sempre com pressa. Reclamo que existo. O outro também existe. Queremos noites ardentes. Amor sem interferências, de preferência. Vamos ao terapeuta. Fazemos uma reflexão conjunta. Afinal, foi tão difícil encontrar a outra parte de mim. Não seria egoísmo da parte indivíduo? Custa muito submeter a porção eu indomável ao nós?

Totalidade. Pronto, dois são um. Está decidido. Se existem eus, já não estamos tão certos. Pelo menos até o eu descobrir novamente o tempo que sobrou para o um que já não é dois. E, como prêmio, o um cultivar alegremente seu tempo privado de volta. Um mito às avessas. É carnaval.


Fonte:  YouTube

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