segunda-feira, 24 de março de 2014

Sem tempo ou lugar


- Alguns patos dizem que a gente vira anjo e fica
sentado numa nuvem olhando para a Terra lá embaixo.
- Pode ser – a morte sentou-se – , afinal asas vocês já tem.
 
(Wolf Erlbruch, in O pato, a morte e a tulipa – Trad. José Marcos Macedo)
 
 
 
Sobre o teclado, por Sergia A.



Há algum tempo não ouvia a angústia na sua voz. E eis que o telefone soa no meio da noite. Sou ouvidos. Uma frase, arrastando-se entre sussurros, indaga: Para onde vai minha energia quando a energia acaba? E continua tecendo arremedos sobre interrogações e pontos finais. Atordoada, imponho-lhe um exercício de respiração. Desperto-me. Desperto-a. Cansada de parágrafos longos, vírgulas e reticências, ela deseja um verbo intransitivo. Nem mesmo adjuntos. Um ponto final, talvez. Procuro no meu dicionário um argumento para dar corpo à oração. O pensamento (nem sempre tão racional) me guia para a natureza que me rodeia. Nada desaparece. Tudo se transforma. À noite, se segue o dia. Ao inverno, a primavera. A semente rebenta para o broto germinar.


Do outro lado da linha, ela já não me ouve. Emudece sob a sonolência da minha voz. Do lado de cá, adormeço. Acordo de um sonho aterrorizante. Lembro: Emily Dickinson está há dias à minha espera. Não encontro correspondentes que mantenham o ritmo dos seus versos. Ainda assim publico. Um exercício, apenas. Potente, como a respiração profunda…
 
489
 
We pray — to Heaven —
We prate — of Heaven —
Relate — when Neighbors die —
At what o'clock to heaven — they fled —
Who saw them — Wherefore fly?

Is Heaven a Place — a Sky — a Tree?
Location's narrow way is for Ourselves —
Unto the Dead
There's no Geography —

But State — Endowal — Focus —
Where – Omnipresence — fly?
 
(Emily Dickinson, in Seleted Poems by Helen McNeil p.36)
 
*** 
 
489
 
Suplicamos – aos Céus – 
Reclamamos – dos Céus – 
Relatamos – quando falecem os Vizinhos –
Na hora exata para o céu – eles seguem – 
Quem os viu – por que subir?
 
Céu é um lugar – um espaço – uma árvore?
A noção limitante de local é para nós -
Para os mortos
Não existe mapa – 
 
Mas Estado – Ser – Foco – 
Aonde – Onipresença – subir?
 
Tradução: Sergia A.
 

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