quinta-feira, 8 de maio de 2014

Pensamentos bobos às vésperas do dia das mães


Repetir repetir – até ficar diferente
Repetir é um dom do estilo.

(Manoel de Barros, in O livro das ignorãças p.11)


página de Poeminha em Língua de Brincar, Manoel de Barros


Dizem por aí que as meninas de hoje tem avós modernamente prendadas. Daquelas que tiveram poucos filhos e aprenderam conciliar profissão e trabalho doméstico, sem traumas. Entre outras competências, nas horas de folga, sabem agradar maridos, filhos e netos com bolos, doces e pratos gourmet. Modelos de mães, dedicadas e perfeitas como queriam as campanhas publicitarias antes de serem atropeladas por outras gerações, em que pais e mães se aglutinam na construção de novos papeis na relação com os filhos.  

Desse tempo restaram trágicas lembranças. Às vésperas do dia das mães, os anúncios de TV me provocavam urticária. Ai de mim que nasci com o estranho mal de escavacar palavras no teto, e às vezes, muito raramente, enxergar quando lhes brotam asas. Ai de mim que nasci com o estranho mal de enxergar formas e tons nas nuvens, quando apenas sua alvura é aparente. Aí de mim que nasci para inutilidades e sem talento para agradar.  


Minha mãe, que viveu sua juventude antes da convulsão social dos anos 1960, não vendo muita graça em seu destino, apontava discretamente os desvios. Achava que para meninas, nada seria mais lindo e delicado que estudo. A medicina, a engenharia, o brilho sedutor da ciência que lhe foi negado. O resto viria com o tempo, se tivesse que vir. Foi-me ofertada a liberdade, ainda assim não me curei do mal. A vida tem mania de balançar certezas. Aqui estou, escavando delicadamente um teclado, enquanto nuvens brancas me provocam na janela. O mal, as vezes, contamina, se expande e me retorna. 

Um consolo? Meu corpo descontrolado gerou meninas que geraram meninas. Ser mãe de mãe traz a vantagem do aprendizado por repetição. Intimidade construída no assombro. Talvez por isso, ainda que sendo hoje completamente desnecessária, receba o máximo de pequenos braços. Corações colados, a cada vez que nos sentamos no chão para perder tempo catando vozes para personagens que vivem em estantes reviradas. Do alto dos seus oito anos e do seu paladar apurado, uma delas me disse, um dia desses, que a massa que preparamos juntas não merecia nota dez, mas que eu não me preocupasse, tínhamos um segredo. Quieta no seu canto, olhou para o teto por alguns segundos, e depois me mostrou, no bloco de desenhos do seu tablet, um cartão. Entre estrelas e corações coloridos estava escrito: "ler e escrever é o que tenho para viver e, assim, a perceber".  

Na ingenuidade das rimas, escuto palavras treinando para virar brinquedo. E, talvez, um dia vir a ser séria de rir, se assim tiver que ser. Por enquanto, a descrição mais precisa de um mal que desencaminha avós pelo mundo. Aquelas que se dão conta de que não nasceram para a perfeição. 

Feliz dia das mães!

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