segunda-feira, 26 de maio de 2014

Sobre histórias que contamos a nós mesmos


Bato à porta da pedra.
- Sou eu, me deixa entrar.
Não busco em ti refúgio eterno.
Não sou infeliz.
Não sou uma sem-teto.
O meu mundo merece retorno.
Entro e saio de mãos vazias.
E para provar que de fato estive presente,
não apresentarei senão palavras,
a que ninguém dará crédito.

(Wislawa Szymborska, in Conversa com a pedra
Poemas p.33, tradução Regina Przybycien)



Verde sobre fundo desfocado, por Sergia A.
  

Ele achava que sua vida toda fora um quase. Quase ganhara uma bolsa de intercâmbio, quase se formara em medicina, quase ganhara um concurso de contos, quase vivera um grande amor, quase, quase vira o seu país encontrar a terceira via finalmente. Assim quase sempre, quase lá. Por um ponto, por um ano, por meio ponto, porque o trem partiu antes da hora e o destino não lhe deu tempo de abrir a porta, porque as elites (internas e externas) reagiram ao incômodo. Entre quases, descobriu sua verdadeira vocação: cultivar Ses. 

Estudar condicionais, em todas as suas versões. Rodava o mundo. If, si, se, wenn, indien, αv, ha, hvis, om, nëss, eğer, eᴄЛИ... não dava conta. Melhor seria apegar-se à sua própria estrutura narrativa. À língua que lhe moldara a face e todas as incertezas do seu modo subjuntivo de ser. Pretéritos imperfeitos, futuros do pretérito lhe caiam bem. Antecipavam e justificavam a versão do outro que já não se fazia necessário escutar. Justificavam a sua versão de si mesmo. Acreditava firmemente que pelo menos dessa vez foi por um triz. Bastaria um Se.

Leio novamente os dois parágrafos que acabo de escrever. Relatos de conversas interrompidas. Algo me diz que essa é apenas a história que eu conto a mim mesma sobre desencontros. A ficção que nos ampara. Por vezes, elaboramos com antecedência o que nos seria dito só para estarmos alertas ao que virá. Ou, para afastar, entre náuseas, a ausência do riso. Conjugação irregular do verbo ouvir. O revés da ação por ele imposta. O argumento minando minha surdez. Treino. Palavra mágica. Um tanto perdida, em versões individuais ou coletivas. Descubro que o silêncio afia sons. Daqueles, bem mais agudos que Sis. Daqueles que me transportam pra dentro de mim. E o modo ou o tempo deixam de ser condicionantes.

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