domingo, 27 de maio de 2012

Sem remorsos ou indecisões



Janela para as nuvens,  por Sergia A.


Virgínia me acordou cedo.
Havia um vazio no quarto amanhecendo. Minha janela para o Leste não se rende à sisudez de cortinas ou persianas, e insiste em dar passagem a uma fresta de luz enrubescida. Não quero despertar. É domingo, meu sono tem direito a algumas voltas do ponteiro. Desisto. Estendo a mão e abro um livro de cabeceira. Um diário a me provocar... O ano é 1930:

Sunday 18 May

The thing is now to live with energy & mastery, desperately. To despatch each day high handedly. To make much shorter work of the day than one used. To feel each like a wave slapping up against one. So not to dawdle & dwindle, contemplating this & that. To do what ever comes along with decision; going to the Hawthornden prize giving rapidly & lightheartedly; to buy a coat; to Long Barn; to Angelica’s School; thrusting through the mornings work (Hazlitt now) then adventuring. And when one has cleared a way, then go directly to a shop & buy a desk, a book case. No more regrets & indecisions. That is the right way to deal with life now that I am 48: & to make it more & more important & vivid as one grows old.
[1]

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Domingo, 18 de maio

O fato é agora viver com energia e controle, afoitamente. Liquidar cada dia arbitrariamente. Terminar o dia mais rapidamente do que costuma ser. Sentir cada um como uma onda debatendo-se contra algo. Assim não perder tempo e consumir-se, contemplando isto ou aquilo. Fazer o que for decidido; ir ver o prêmio Hawthornden, com um ligeiro ar de felicidade; comprar um casaco; a Long Barn; à escola de Angélica; atacar o trabalho matinal (Hazlitt agora) depois aventurar-se. E quando permitirem, então ir diretamente comprar uma escrivaninha e uma estante. Sem mais remorsos e indecisões. Este é o jeito certo de lidar com a vida agora que tenho 48 anos: torná-la cada vez mais importante e ativa quando se envelhece.
[2]


Salto da cama. Levanto a persiana. Ameaçado pelas nuvens, ele está lá, majestoso a me desafiar. De repente, um pequeno pássaro verde (não o reconheço, por pura ignorância) encontra passagem pra me dizer bom dia. Assustado, sobrevoa o quarto, suja minha cama e se vai batendo asas freneticamente. Certamente esse será um dia de sorte, alerta meu lado superstição. A estante está comprada. Organizo minha agenda. Há um convite no ar:  recomeçar. De alguma forma, estamos sempre recomeçando.

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[1] The Diary of Virginia Woolf – Volume 3 (1925-1930) p. 303, editado por Anne Olivier Bell (1980).
[2] Tradução: Sergia A.

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