segunda-feira, 25 de julho de 2011

Abril Despedaçado: liberdade e reinvenção da vida

“Procurei arquitetar Abril Despedaçado na oposição entre estados diferentes.
Entre a imobilidade e o movimento..."
(Walter Sales – Diretor de cinema)
                  
Em uma das longas tardes de dores e imobilidade impostas por um abril que deixou em pedaços alguns dos meus ossos, li em uma revista algo sobre a publicação do livro “Berlin nach dem Krieg” (Berlim depois da Guerra – em tradução livre). Uma reunião de imagens capturadas nas ruas de Berlim nos dias que sucederam à rendição nazista. Prendeu-me a atenção um registro do fotógrafo Otto Donath, que a repórter poeticamente chamou “sinal de vida”: uma mulher, vestindo apenas um maiô, regava uma pequena horta e vasos de flores em seu terraço tendo ao fundo os escombros dos prédios destruídos. Era primavera. A vida recomeçava.

O abril alemão que antecedeu à fotografia foi marcado por intensos bombardeios e um assalto implacável do Exercito Vermelho sobre a cidade de Berlim. As tropas aliadas despedaçavam pontos estratégicos do poder nazista para forçar a rendição de Hitler e o fim da guerra. De uma forma truculenta tirava o povo alemão da imobilidade que o fascínio nazista produzia, levando-o ao movimento de despertar para reconstrução da vida e da paz. A quebra das amarras que restringiam a liberdade de pensamento permitia agora a livre expressão como um ato simples de vestir um maiô, tomar sol e cuidar do jardim. Como o personagem Tonho do filme Abril Despedaçado de Walter Sales (2001) - de quem roubo o título, imagino, o povo alemão no seu íntimo sentia a mesma angústia de ser obrigado a cumprir um destino que não escolhera, a dar continuidade ao derramamento de sangue quando queria simplesmente viver. Assim como o herói do livro homônimo do albanês Ismail Kadaré cujo drama interior, ocasionado pelo embate entre a obrigação de cometer um crime e o destino que o impele para a vida, inspirou o filme. Há, portanto um sentimento que emana da arte que retratou o instante, da literatura que teceu uma história de tema universal como o poder, a vingança e a morte, e do filme que utiliza uma realidade local (a guerra entre famílias no interior do Ceará) para aprofundar a reflexão sobre os sentimentos experimentados pelo homem diante da ausência da liberdade de escolha ou diante da morte. Um sentimento que os unifica, tornando-se o fio condutor da percepção de quem se permite ser tocado pela arte ou pelos fatos da vida.

Ao fim de um abril que não vi passar, o mesmo sentimento chega até mim e impulsiona a escrita. A impulsão para a vida que faz superar a imobilidade e encontra formas de reinventá-la, nasce da certeza de que a própria vida se recompõe e aponta caminhos para novos movimentos, e de que o trágico que imobiliza é no mínimo um ponto de partida.

Teresina, 08/05/2010

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