quarta-feira, 27 de julho de 2011

Há um Segredo

“É preciso amar as pessoas
como se não houvesse amanhã.
Porque se você parar prá pensar, na verdade não há” [1]



Foto: NASA / Divulgação


Aprendi na escola, há anos, que uma explosão deu origem ao tempo, espaço e à matéria. Os livros me diziam que a vida, como a conhecemos, surgiu sob condições muito especiais espontaneamente reunidas na rica sopa que formava os oceanos primitivos. Um compenetrado estudioso da astrofísica diz, poeticamente, em um programa de TV que nada mais somos do que poeira de estrelas. Penso nisso enquanto escuto previsões catastróficas para o futuro do planeta, ou enquanto acompanho os efeitos das mudanças climáticas nos vários cantos do mundo, ou enquanto a inteligência reunida em Copenhague decide não decidir, ou enquanto placas tectônicas se acomodam em natural movimento causando destruição na superfície. Penso na vida que se autodenomina homem, pretenso senhor da Terra e do seu destino. De tanto pensar sinto a angústia de saber que entre mim e você leitor há um segredo que não ousamos revelar.

Se um acaso a gerou e não se tem, ainda, certeza de sua existência em outro ponto do universo, a vida é uma preciosa raridade. O que não deixa de ser um paradoxo diante da realidade cotidiana repleta de banalidades que nos faz passar por ela sem pensar. Entre trivialidades outras, para preencher um dia de folga no trabalho, mecanicamente folheio uma revista que me diz que a diferença genética entre homens e chimpanzés é de apenas 1%. Ou seja, a inteligência surgiu da evolução natural da vida. Pequeno detalhe que torna a raça humana única na imensidão cósmica, e perpetua atavicamente o traço egocêntrico. Um traço que a levou a dominar o fogo e em conseqüência ocupar o planeta como se este lhe fosse um presente dos deuses, uma generosa dádiva para satisfação de suas necessidades infinitas. A inteligência e sua extensão tecnológica avançaram a passos largos dividindo cada palmo da Terra, dominando seus recursos, decidindo, às vezes de forma violenta, quem teria direito ao usufruto. Irredutível, segue seu caminho na seqüência de dias banais por ela denominados anos, séculos, milênios que correm em fluxo para alimentar o que chamam de história. Para isso inventaram relógios na tentativa de apreender o tempo ou dar asas à tola ilusão de controlá-lo. Ora, esquece a inteligência que não são os ponteiros que fazem nascer ou findar o dia, ou os calendários que fazem mudar as estações. Com ou sem relógios, enquanto houver sol, a inclinação da luz dará um tom alaranjado ao despertar do homem ou cobrirá de negro as suas noites. Com ou sem calendários, os campos se vestirão de flores na primavera e as folhas cairão no outono, graças a um movimento natural que influencia a vida na terra, a dança dos astros no universo em expansão.

Certo dia, ao vê-la de longe, a inteligência embevecida repetiu atônita que a terra é azul. O distanciamento permitido pela tecnologia revela o seu valioso mundo como apenas uma bola coberta por um gigantesco manto azul. Alheia, a bola flutuante segue seu curso iniciado há milhões de anos, em um constante processo de transformação. De rochas fumegantes à glaciação, da pangeia aos diversos continentes, dos dinossauros ao homem deixa marcas em cada era. Entre elas a marca tranqüilizadora de um espesso manto azul que vem garantindo no fluxo do tempo a existência da vida e da inteligência. E, heroicamente, a inteligência se dá conta de que nada mais é do que um ponto protegido por um imenso manto azul. Diante da certeza de sua pequenez nada a fazer senão ficar atenta a cada possibilidade de prolongar e intensificar o doce sabor da vida.

Sob o manto azul um beija-flor invade uma janela florida em mais um gesto banal. O bico alongado, em desespero, busca energia para manter o movimento de suas asas frenéticas, satisfazendo o desejo instintivo de preservar a vida. Na mesma janela um bicho homem, em desespero reproduz o desejo, buscando respostas para o seu enigma. A inteligência madrasta copiando o passado afirma que o tempo, o espaço e a matéria prosseguirão. A vida, quem sabe, talvez em novo modelo desenhado pelo acaso. Fará o homem parte dessa vida? Este é o segredo que você e eu, legítimos representantes da espécie, tememos desvendar. Enquanto isso, oramos aos deuses pelo despertar alaranjado da inteligência sobre o véu negro da noite.
( maio/2010 )

[1] Renato Russo in Pais e Filhos

2 comentários:

Obrigada pela visita! Volte sempre.